Sabrina é uma história brutalmente actual, que cruza terrorismo com teorias da conspiração, enquanto fornece uma perspectiva muito humana e próxima das personagens. À primeira vista o estilo não é muito atractivo, mas adapta-se totalmente à história e ajuda a realçar a narrativa, limpando-se de elementos que poderiam distrair do fundamental.

Um dia, Sabrina desapareceu, depois do trabalho, a caminho de casa. Existem vídeos que testemunham o seu percurso a escassos metros da entrada. Mas a verdade é que nunca chegou. A família e os amigos encontram-se em choque. Aguardam notícias. Procuram Pistas. Mas com a passagem do tempo a esperança diminui até deixar um vazio confuso.

Teddy, o namorado, muda-se para casa de um amigo, um militar recentemente divorciado que o acolhe sem grandes perguntas, dando-lhe espaço para trabalhar o trauma e a depressão. Encontrando um rádio portátil em casa, Teddy refugia-se nos programas que tecem teorias de conspiração, mesmerizado pelo discurso carregado de falácias.

A história é contada, sobretudo, na perspectiva do amigo, Calvin. Recentemente divorciado, planeia mudar-se para um novo posto de trabalho onde possa acompanhar o crescimento da filha. A comunicação com esta faz-se pelo telefone, carregada de maus entendidos, que alimentam o ressentimento da ex-mulher.

Quando o vídeo do assassinato de Sabrina vem a público, divulgado, em simultâneo em diferentes canais e sites, todas estas interacções se adensam. Os familiares de Sabrina são perseguidos por quem acha que tudo não passa de uma farsa para instigar o medo na população. Também Calvin é perseguido digitalmente, questionando-se, até, a sua verdadeira identidade.

A narrativa de Sabrina é brutalmente actual. Se consultarmos o Facebook, ou outras plataformas de interacção humana, verificamos que se encontram carregadas de teorias da conspiração e discursos de ódio. Alimentam-se medos e criam-se novos, enquanto se gera a confusão mental e se dissipa o verdadeiro conhecimento.

Se, antigamente, as pessoas não tinham acesso a informação, agora o acesso desmedido a informação não validada, gera o mesmo problema. Adicionalmente, a massa actual distingue-se por conter pessoas com formação, mesmo que não seja na área onde optam por negar os conhecimentos consensuais entre peritos.

Por este motivo, as notícias falsas populam, seja por interesses na desinformação, seja porque, por vezes, é mais fácil acreditar numa notícia falsa do que na dura verdade. Por outro lado, o alarmismo propagado pelos meios de comunicação oficiais, que dá voz a todas as teorias e espicaça o sobressalto, distancia-se do suposto papel isento de uma reportagem fundamentada. Este estado permanente de alarme, alimentado pelos meios de comunicação, perpetua-se com a apresentação sucessiva de desgraças, mudando-se o foco quando a notícia anterior começa a entrar em conformismo.

Sabrina apresenta uma perspectiva próxima ao terrorismo e às teorias da conspiração. Por um lado, acompanhamos Teddy que lida, numa primeira fase, com o desaparecimento da namorada e, numa segunda fase, com o vídeo da sua morte. Por outro, tanto a família de Sabrina, como Calvin (o amigo de Teddy) são confrontados com uma massa de negacionistas que questionam a identidade destas personagens ou as suas motivações.

Para além das falsas notícias e das teorias da conspiração, Sabrina apresenta outros conflitos. Temos os divórcios e o afastamento dos progenitores que resultam em mal entendidos e ressentimentos. E temos também o possível papel dos militares, em postos que pode ser mais activos em missões questionáveis.

Em termos narrativos, a história assenta muito nas distâncias e nos silêncios. Salvo os longos discursos debitados pela rádio ou notícias, o texto é raro. As personagens pouco se encontram e pouco interagem. Existem algumas tentativas de conversa e contacto, mas quase sempre resultam em expressões verbais desengonçadas. Cada uma das personagens principais segue a sua existência e confronta-se com a desgraça à sua maneira.

Já o desenho é simplista. Contém apenas as linhas necessárias para se apresentar, complementando a narrativa. Mostra distância e silêncio. Mostra personagens isoladas e cenários de pouca luz. Este visual minimalista permite apresentar a história despida de excessos, ainda que resulte em páginas pouco apelativas. Destaca-se o uso de um questionário diário de auto-avaliação do militar, Calvin, que vai apresentando o seu estado de espírito e contaminando a leitura das páginas seguintes.

Nomeado para o Booker Prize, Sabrina é daquelas histórias de banda desenhada que não vai agradar a uma grande fatia dos fãs de banda desenhada. Não esperem grandes momentos de acção, nem perspectivas arrojadas. Não esperem desenhos fascinantes. Antes uma narrativa que alterna entre silêncios internos e ruídos lógicos externo e que consegue, na sua abordagem simples, apresentar uma boa história.

Sabrina foi publicado em Portugal pela Porto Editora.