
Conta-me, escuridão pareceu-me um lançamento peculiar. Não conhecia outro lançamento do género pela Suma de Letras (autor nacional enquadrado em ficção especulativa). Efectivamente, segundo a página da editora, este é um de dois livros publicados recentemente sob a referência Fantasia e Ficção Científica. O primeiro de Fernando Ribeiro. O segundo, este, também com prefácio de Fernando Ribeiro, reúne várias histórias de horror implícito e contém blurbs e indicações de várias personalidades: Nuno Markl, Dino D’Santiago e Sinde Filipe.
As histórias
O volume abre com uma história curta, Tríptico, onde se usa o típico falecimento da mãe aquando do nascimento das crianças como entrada. As crianças, essas, recordação de um momento fatídico, são criadas pelo pai de forma fria e distante, longe de terceiros e sem carinho de ninguém. Claro que esta entrada irá dar maus resultados.
A segunda história é um conto de plena maldade. Tendo falecido, idosa, a mãe, três irmãos resolvem tentar livrar-se da igualmente idosa e caquética criada. Segue-se um dos melhores contos do conjunto, O Mal por Detrás da Montanha que decorre numa nova aldeia fundada por ex-criminosos. Um dia, crianças começam a desaparecer, uma, a uma.
Em Caim e Abel retorna-se ao tema da morte materna, num cenário ainda mais curto e mais negro, enquanto que em A Festa de Yaksha um homem é acolhido num belo salão onde pode desgostar uma esplêndida refeição.
Vida eterna é um pequeno episódio de consciência pós-morte, enquanto Laura e os cães é uma história curta sobre uma jovem com capacidades sobre humanas e O Mundo de Christina mostra o perpetuar de um pesadelo vivo, um inferno real repetitivo.
Análise
Algumas das histórias possuem um certo tom clássico inicial (ou premissa) ainda que o desenvolvimento se possa afastar desse tom. Esta perceção deriva sobretudo dos temas – as mães que falecem no parto e deixam crianças que se tornam indesejadas, as festas sobrenaturais onde se acolhem viajantes que assim são atiradas para uma eternidade indesejada. Existem, no entanto, algumas deturpações deste tom clássico, em que algumas das histórias seguem caminhos mais explícitos no horror que detalham do que seria de esperar.
A maioria das histórias possui elementos sobrenaturais. Nalguns casos esses elementos parecem ter raízes tradicionais, sofrendo alterações para o decorrer da história. As histórias de festins ou de atraentes e condenadas senhoras parecem ter semelhanças com contos de mouras ou celtas, ainda que se introduzam elementos não lhe são coerentes.
Independentemente destes elementos, ou do tom mais clássico, os contos são competentes na escrita, não havendo detalhes desnecessários, e caracterizando-se o essencial para se perceber o contexto. O central não são as personagens, nem uma moralidade (quase sempre inexistente) mas a descrição de uma situação que escala para o horror, ou cujos detalhes se tornam escabrosos. Este desenvolvimento, apesar de ocorrer, nem sempre apresenta o suspense ou o crescente de tensão que seria de esperar.
Existem dois contos que se destacam. O Mal por Detrás da Montanha possui uma base interessante, mas transforma-se numa história sobrenatural sem que pareça haver uma ligação entre o contexto inicial e o sobrenatural que se apresenta. Julgo que se este ponto tivesse sido limado a ideia poderia ter-se tornado numa história excepcional. O Mundo de Christina tem um desenvolvimento interessante, uma ideia excelente e uma conclusão adequada, ainda que demasiado longa, atenuando o impacto da revelação.
Conclusão
Conta-me, Escuridão é um livro de contos de horror que proporciona uma leitura agradável. Não esperem, claro, história ao nível de um David Soares, ou de um António Monteiro. Existem alguns pontos a limar na criação de tensão e na força de uma revelação final. Ainda assim, a escrita é fluída e agradável e o conjunto pode designar-se de bom.
De realçar, também, as imagens (que acompanham cada história e são de boa qualidade) bem como a quantidade de nomes sonantes que envolvem o livro, que teve destaque e blurb pelo Nuno Markl ,introdução de Fernando Ribeiro, blurb de Sinde Filipe e texto de contracapa por Dino D’Santiago – o que não deixa de ser peculiar, dado que sendo um livro bastante aceitável, não chega a ser excelente.