Do mesmo autor de Peter Pan e Armazém Central, a Planeta de Agostini publicou, no mercado espanhol, esta série fantástica de banda desenhada que pega em elementos das histórias celtas para criar um ambiente inquietante.



A história
Uma jovem dirige-se à casa de aldeia de uma amiga como forma de se isolar enquanto estuda para os exames. Pouco naquela viagem corre bem e, depois de dar boleia a um jovem, o carro fica sem combustível. A rapariga acaba por pernoitar na casa deste jovem e, no dia seguinte, segue-o nas suas tarefas. Assim conhece um velhote simpático que é, na verdade, uma espécie de bruxo, fazendo poções que podem transportar para outro mundo.
Mas apesar dos elementos fantásticos do outro mundo, não esperem encontrar um percurso fofinho e amoroso. O jovem pretende viajar para o outro mundo para participar no equilíbrio entre os dois mundos como sucessor do velhote. Mas a presença da jovem (que o segue por conta própria) vai ter um impacto maior do que o desejado. Tal como nas histórias tradicionais que decorrem num mundo fantástico tradicional, as fadas têm a sua moralidade própria, e o tempo passa de forma diferente nos dois mundos. Quando volta, a jovem está grávida, e o velhote desapareceu.



Crítica
Apesar de a história nos levar a um tradicional reino das fadas, não pensem que vai ser uma história fofinha. É, na verdade, uma narrativa envolta numa névoa escura de corrupção, onde os segredos e os mistérios ocupam uma grande parte da premissa.
A gravidez da jovem é diferente do usual e o ser que origina não é totalmente humano. A vida da jovem alterara-se, claro, mas acima de tudo, ganha percursos inesperados quando a criança se desenvolve mais rapidamente do que é suposto, manifestando poderes que levarão a jovem a pensar tratar-se de uma criatura maligna. Por seu lado, a criança, sendo criança, vai precisar de conforto e autoridade parental.
Paralelamente, os dois mundos sofrem eventos catastróficos que afectam as suas sociedades. No caso do mundo semelhante ao nosso, surgem vários terramotos que destroem parte das cidades e das ruas, com mortes e danos irreparáveis. Estes eventos estarão associados à criança e à última viagem ao mundo mágico.
Nas sombras, percebemos haver um plano em marcha por parte de um ser poderoso – um ser que tem os seus próprios objectivos, indo contra as tradições que têm mantido o frágil equilíbrio de poder dos dois mundos.
Apesar de haver, claramente, vilões e heróis, estes não são absolutos, mas entidades complexas com motivações e falhas. Os supostos heróis têm dúvidas e preocupações, tentam agir de forma correcta e cometem erros. Já os supostos vilões têm, também, as suas dualidades. Esta forma de representar as personagens permite criar empatia e ligação com as personagens, bem como dar-lhes dimensão.
O ambiente é inquietante e misterioso. Apercebemo-nos da maioria acontecimentos em simultâneo com as personagens principais, ainda que tenham acesso a alguns detalhes sobre as criaturas do outro mundo. Mas tal como as personagens, existem muitos pontos por esclarecer, e algumas possibilidades negras no ar – algo de maléfico que não é expresso de forma explícita, mas que sentimos com a progressão da narrativa.
A acompanhar esta narrativa, encontramos um desenho excepcional, quer pelo detalhe, quer pelas cores: personagens bem desenhadas em posturas expressivas mas difíceis, expressões faciais relevantes que contribuem para o entendimento da história, paisagens fabulosas e realistas.



Conclusão
Até ao momento, gostei mais de Armazém Central (também de Loisel), mas considero que este El Gran Muerto é uma leitura acima da média. Apesar de aproveitar uma premissa comum em histórias de fantasia consegue tornar a narrativa única pelo seu desenvolvimento peculiar e pelo mistério em que se envolve. O facto de existirem factos que o leitor desconhece ajuda a cativar e a envolver, bem como a competente caracterização de personagens. O desenho é, também, muito bom, contribuindo para esta sensação de se ter lido algo muito bom. Aguardo com ansiedade os próximos volumes num idioma que seja mais acessível que o francês!


