Todos os anos espreito as escolhas para o prémio Goodreads de banda desenhada. Nem sempre apanho histórias excelentes, mas sim livros diferentes, fora da minha zona de conforto. Este é um desses casos.

A história

A premissa é simples. A autora explora a história da própria família, começando por nos relatar o episódio que inicia o desenterrar de uma série de segredos familiares: o telefonema do irmão onde ele se recorda da tentativa de suicídio da mãe. A partir daqui, a autora revê cassetes e outras memórias, restituindo as dificuldades da família, ao longo de pelo menos três gerações, em lidar com a doença psicológica.

Neste caso, as doenças vão sendo diferentes, de geração em geração, sendo que as crianças são as que sofrem o maior impacto, tanto pela instabilidade emocional que tais problemas trazem como pelos problemas sociais e financeiros que costumam estar associados a estas doenças.

Crítica

Ainda que, na sua globalidade, a narrativa siga alguma ordem cronológica, partindo da tentativa de suicídio, a história vai seguindo consoante as memórias e o entendimento da narradora que dá, aos factos, uma camada adicional com os sentimentos que alguns momentos provocaram.

Não esperem entender alguns momentos que poderão parecer pouco lógicos. Não tentem pensar que teriam agido de forma diferente. Este é um relato da história daquela família que é imutável e que expõe a dificuldade em lidar com os problemas psicológicos: o ciclo da doença, a instabilidade emocional, o cansaço dos restantes membros da família, o descobrir uma nova doença na geração seguinte.

Para além destes momentos, a autora (e os seus irmãos) tentam obter mais dados sobre as gerações anteriores, pesquisando informação clínica nos hospitais. Alguns fecharam, outros eliminaram os registos. Assim sendo, é difícil perceber alguns episódios, e o que se passou realmente.

Ainda que existam desenhos da própria autora acompanhando todos estes momentos, por vezes trata-se mais de uma história ilustrada do que de uma banda desenhada, com extensas porções de texto sobrepondo as imagens que apresentando, sobretudo, memórias visuais. Encontramos fotos, mapas, quartos e casas, mas não uma sucessão de imagens que esteja a contar uma história.

Ainda assim, é uma leitura curiosa, em que a autora revela elementos sobre doenças psicológicas que costumam estar escondidos na sociedade, demonstrando de forma tangencial a vergonha que está associada aos problemas psicológicos, com a reacção da própria família ao livro.

Mas não esperem uma história brutal, com um final fabuloso. Aliás, não é disso que se trata o livro, mas em demonstrar como os traumas podem ter efeitos devastadores nas gerações seguintes. Também, não procurem entender, apenas aceitar os factos por aquilo que são.

Conclusão

And now I spill the Family Secrets é exactamente aquilo a que se propõe no título, com a autora a expor a realidade da família em lidar com a doença psicológica ao longo de algumas gerações. A abordagem é peculiar, constituindo mais uma história ilustrada do que uma banda desenhada, interligando factos com memórias e sentimentos. É uma leitura desafiante – não por ser particularmente difícil, mas pelos factos que relata.