Este ano voltou a sessão de Escolhas do Ano, um painel em que alguns convidados falam de alguns livros que leram durante o ano. O painel foi composto por Rogério Ribeiro (o organizador do Fórum Fantástico), Artur Coelho, João Campos e eu, e a apresentação com todos os livros seleccionados pode ser visualizada AQUI.

A selecção foi dura, ou, pelo menos da minha parte, foi difícil de fazer, até por conta da quantidade de livros que li nos últimos anos. Para além do critério óbvio (livros que tenha gostado), optei por tentar seleccionar livros que seriam fáceis de apresentar em poucas palavras, por forma a poder falar mais rapidamente deles se necessário. O tempo neste painel é sempre algo que escasseia.

A primeira recomendação é Café das Lendas – Travis Baldree. Na onda dos livros de fantasia fofinhos, este foi a minha primeira leitura e merece o destaque. A história é relativamente simples, focando-se numa Orc que está farta de batalhas e de matar monstros e que resolve montar o seu próprio café. Entre questões logísticas e resquícios do passado que resolvem complicar a empreitada, a história decorre num mundo de contornos medievais, centrando-se sobretudo no conforto de uma chávena de café e nas amizades que se constroem em torno do estabelecimento.

Entre várias polémicas, este I’m Afraid You’ve Got Dragons é uma narrativa com quase todos os elementos típicos das fantasias medievais com dragões e cavaleiros, mas com twists engraçados. O príncipe não quer partir em aventuras e prefere ficar a descansar, o caçador de dragões acha-os demasiado fofinhos e não os quer matar, a princesa prefere meter as mãos à obra, ao invés de ficar a costurar. E, se dragões grandes são uma chatice, os dragões pequenos são uma praga nos castelos, piores que baratas que se metem em todo o lado. Mas tolos.

Enquanto o fim não vem foi o vencedor do prémio Ataegina. Trata-se do terceiro livro que li da autora e, também, o mais maduro em termos de escrita. A história começa centrando-se num detective hard-boiled – durão, carregado de vícios; e na sua investigação. Mas rapidamente se torna numa meta-ficção movimentada.

Dragon Griaule de Lucius Shepard encontra-se entre as melhores coisas de fantasia que li nos últimos anos. Bem escrito e desenvolvido, possui uma ideia original e grandiosa, onde uma premissa simples talha todo um Universo de forma perturbadora. Na realidade aqui descrita, um dragão ficou imobilizado após a batalha com um feiticeiro. Mas nem por isso deixa de viver e de influenciar o que o rodeia. Tão grande que se confunde com uma montanha, a sua mente maléfica contamina os seres humanos que ali vivem, quer nas aldeias à sua sombra, quer na comunidade religiosa no seu interior. A narrativa vai sendo apresentada sob a forma de conto, cada história com personagens humanas diferentes, ainda que o centralismo esteja no dragão.

De R. F. Kuang tem-se falado muito de Babel ou da sua trilogia A Guerra das Papoilas. Mas este Impostora, que tem pouco de ficção especulativa e sobre o qual ainda não escrevi no Rascunhos, é genial em execução. A história centra-se numa escritora medíocre, June, que, após o curso, consegue publicar o seu livro, mas sem sucesso relevante, passando a vida a comparar-se com uma colega, Athena, que, pelo contrário, alcança as páginas do NY Times com a sua primeira obra. As duas não são propriamente amigas, mas convivem frequentemente. É neste seguimento que June acaba na casa de Athena a comer panquecas. Um serão agradável acaba de forma abrupta quando Athena se engasga e morre. Entre chamar o 112 e socorrer Athena, June rouba um manuscrito que irá publicar em seu nome. A partir daí, conhece o estrelato, mas a sombra do roubo e as suas ideias menos elegantes sobre raça e preconceito irão contaminar todas as suas acções.

Quando os humanos foram embora de Gerson Lodi-Ribeiro apresenta uma narrativa num futuro distante em que a humanidade já colonizou outros planetas e estabeleceu contacto com várias outras espécies alienígenas. Esta história destaca-se por dois elementos: a humanidade revela uma maturidade inesperada e a história de primeiro contacto decorre pela perspectiva da espécie alienígena que se apercebe não estar sozinha no Universo.

PARTE DOIS