Já não é novidade para ninguém que a publicação de ficção especulativa portuguesa é escassa nas grandes editoras. Bem, até a estrangeira, quanto mais a portuguesa. Felizmente, apareceram vários projectos que têm dado a conhecer o trabalho de autores portugueses nesses géneros. A Editorial Divergência é um destes projectos que lançou no Sábado a terceira antologia de contos, Nos Limites do Infinito. Com seis contos bastante diferentes em estilo e composição, não faltam nesta antologia diabos, fantasmas ou arrepiantes criaturas de aparente inocência, tudo em tom bem português.
Ana Luiz é a autora da primeira história, Sorte ao Jogo, que decorre num cenário particularmente caricato – uma taberna de aldeia onde não falta nem o calendário pendurado e amarelado, ou os copinhos prontos a servir. Dois homens, em merecido descanso, dirigem-se à taberna, esfregando as mãos quando se apercebem da presença de um ricaço, uma possível vítima para as recorrentes partidas, que teriam corrido muito bem, não andasse o diabo à solta. Este é daqueles contos que relembra as histórias mirabolantes do diabo que, aproveitando a suposta esperteza das suas vítimas, as leva no caminho do engodo, num desfecho sabido.
O segundo conto, de Ângelo Teodoro, centra-se num relacionamento impossível que se transforma em obsessão. Um homem que almoça propositadamente sempre sozinho, um dia é transtornado pela pasasgem de uma jovem. A partir daí aguarda, ansiosamente, pelas pequenas conversas no banquinho. Claro que a jovem não é a criatura inocente que aparenta, e o homem vê-se numa relação inconcretizável e de final inevitável.
A terceira história é, a par com a de Ana Luiz, a que mais gostei da antologia. Memórias de Teddy , de João Rogaciano, é a história de um peluche encomendado para o filho de Henrique VIII e Catarina de Aragão. A partir da morte da criança o boneco é transferido de casa em casa, tendo os seus efémeros donos, fins bastante caricatos, nada de anormal, numa época de elevada mortalidade infantil. E o pobre do boneco lá vai passando de boneco predilecto a monte de trapos encostado num canto, numa sucessão de episódios infelizes de inconspícuo propósito.
A casa da Rua dos Mirtilos de Ricardo Dias é uma típica história de fantasmas envolvendo adolescentes. Quando exploram uma casa abandonada com a esperança de presenciarem uma assombração, acabam por ter experiências diferentes – principalmente na biblioteca. Com bom desenvolvimento do ambiente juvenil, e com detalhes engraçados que dão alguma realidade às interacções, é um conto simpático sem se tornar assustador.
Já A Colina que Olha para Ti possui uma transdimensionalidade que o transforma num conto pouco palpável em acontecimentos. A personagem principal é uma aranha que se esconde entre os cabelos de uma rapariga para se fazer transportar – uma rapariga pela qual nutre uma grande simpatia, e com a qual fica preocupada quando descobre que algo de errado se passa. Apesar de ser um conto de agradável leitura, o facto de ser pouco definido em acções faz com que não seja o meu género de leitura.
A última história é outro dos contos de fantasmas desta antologia, da autoria de Yves Robert, um conto bem escrito, onde se destaca o tom inevitável da descoberta assombrada. E ainda que, neste tipo de histórias, o leitor consiga vislumbrar o enredo genérico antes o ler, a verdade é que é nos detalhes que está a mestria.
Neste conjunto de contos destaca-se a influência portuguesa, quer nos cenários, quer no desenvolvimento da história que dão um toque especial a esta antologia. De finais convincentes (algo que costuma falhar em muitas histórias, e a que dou grande valor) contam história interessantes. Apesar de ter gostado bastante de alguns contos presentes em Por Mundos Divergentes, esta é para mim a melhor antologia lançada pela Editorial Divergência.
Fiquei muito feliz com este post e por o considerar “a melhor antologia da Editorial Divergência até ao momento”. Eu concordo, apesar de ser suspeita!
Parabéns pelo trabalho do blogue e por este texto que está muito bem escrito e que me encheu de orgulho! 🙂
Obrigada 🙂 Ainda bem que antologias de ficção nacional vão vendo a luz do dia! Podemo-nos queixar dizendo que há autores internacionais muito melhores, mas a verdade é que os nossos acabam por não ter espaço ou oportunidade para crescer.
Obrigado pela leitura, e por teres gostado do meu conto! O que é que achas que ficou a faltar, ou que devia ter ficado diferente? Sugestões são sempre bem vindas 🙂
Acho que tem muito a ver com gosto. Eu gosto de acção, de acontecimentos concretos. Gosto de inícios, auges e finais . A minha perceção é que faltava algo de mais palpável aos acontecimentos.