Já muito me tinham falado de uma época anterior de Enki Bilal onde os desenhos eram mais definidos e fantásticos, onde as histórias eram mais imaginativas e a totalidade mais fascinante. Conhecendo apenas os albums mais recentes (e gostando do estilo inóspito, pós-apocalíptico, desesperado e nostálgico) o que encontrei nesta dupla de histórias foi um tom ainda mais estranho e alienígena, uma falta de esperança de ironia forte onde o deserto está dentro dos homens e não no espaço que ocupam.
Em A Feira dos Imortais os alienígenas são semelhantes a deuses egípcios, em naves que se locomovem a energia petrolífera, um método ultrapassado e que é desdenhado por alguns destes seres de cabeça animal. A postura destes deuses assemelha-se à dos deuses gregos, usando os seres humanos a seu belo prazer para os seus próprio fins.
Hórus insurge-se contra os restantes deuses e para levar a cabo um plano de troca de poder no governo humano, um caminho que poderá levar ao fim de uma ditadura, resolve devolver à terra um humano exilado numa cápsula com o seu robot, também condenado. Estando em baixas temperaturas o regresso à terra não decorre sem incidentes – ainda demasiado gelado para acordar, o embater de uma perna provoca a sua quebra como se de gelo se tratasse deixando o homem a esvair-se lentamente em sangue.
O trauma de acordar não se fica por aqui. Para além da presença estranha de um alienígena todo poderoso que resolve apropriar-se da sua mente, descobre que a amada morreu há muito a dar à luz o filho de ambos e que pouco reconhece do mundo que deixou. Possuído pela entidade semi-divina atinge o estatuto de herói concretizando parte do plano da entidade para se insurgir contra o líder humano actual.
Imaginativo, carregado de detalhes mirabolantes e alusões religiosas, contendo paralelismo com mitologias várias e retratando uma sociedade distópica onde a sociedade se divide entre os ricos e os outros e as mulheres são mantidas em locais fechados onde cumprem o seu papel reprodutor, A Feira dos Imortais apresenta um Bilal carregado de ideias e de detalhes onde não falha a ironia do destino.
Este volume duplo foi publicado numa parceria da Asa com o jornal Público.