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Jeff Lemire é conhecido por vários estilos de histórias, criando histórias futuristas de ficção científica ou histórias mais introspectivas e familiares. Quando li pela primeira vez este Roughneck ainda não tinha lido o famoso Essex County, mas o que encontrei em ambos foi uma caracterização de um Canadá rural em que as duras condições de vida fazem com que pouco os habitantes das zonas isoladas procurem o hóquei como meio de fuga ou se  refugiem na bebida e na violência.

Derek já foi, em temos, um bom jogador de hóquei, que fugiu, durante alguns anos, ao meio onde cresceu, um meio caracterizado pela violência doméstica e pela morte da mãe na sequência de um acidente. Mas nem assim escapou totalmente. Uma lesão leva-o a retornar, procurando a bebida nos bares e a violência com quem se cruza, justificando-se com a mínima provocação.

O quotidiano problemático de Derek quebra-se com o retorno da irmã, também ela tendo fugido do pesado ambiente familiar na adolescência e fugindo agora de um companheiro violento e controlador. A irmã não carrega apenas uma dura vivência nas ruas, mas um pesado vício em drogas que Derek ajuda a controlar, levando-a para um local isolado no meio da floresta gelada.

O mundo de Derek e da irmã é violento. O clima em que viveram a infância contaminou a sua existência de forma diferente, mas levando ambos a cair numa repetição de maus hábitos, usando o vício para alguma libertação mental, mas usando-o também para cair no mesmo padrão de violência e abuso. No caso de Derek usou, durante algum tempo o hóquei para descarregar esta energia extra. No caso da irmã, acaba por cair nas mãos de alguém que lhe deu atenção e, simultaneamente, a isola e agride.

A vida de ambos parece a continuação da violência dos pais – a repetição de vícios e a acomodação a estes episódios perpétuos, seja na forma de quem perpetua a violência, seja na forma de a receber. Até que algo novo surge, o significado de um futuro, o motivo para uma tentativa de quebrar o padrão.

A narrativa de Roughneck contrapõe a calma do ambiente envolvente (o inóspito da paisagem, o frio que tudo faz parar) com o peso desta família, entre a violência e a sucessão de desgraças ou episódios negativos. A falta de dinheiro ou de outros recursos causa uma amargura difícil de extinguir, uma amargura contaminante que cada geração tenta quebrar.

A narrativa vai contrapondo a actualidade decadente, tão inóspita quanto o ambiente, com as memórias de tempos passados, mais coloridos e vividos, às quais ambos, Derek e a irmã se agarram. Tratam-se, sobretudo de relacionamentos que ficaram mal resolvidos e que, por esse motivo, marcam o presente e justificam o retorno aos antigos vícios.

O resultado é uma história que dá grande dimensão às personagens, apresentando o seu passado e perspectivas, as suas contradições e vícios. Se, inicialmente, vemos Derek sem contexto, a não ser um episódio rápido de agressão, com a progressão da história passamos de uma personagem plana a uma personagem com complexidade e diferentes perspectivas.

Roughneck foi publicado em Portugal pela G Floy.

Nota: este texto foi alterado com a releitura da edição portuguesa.