
Nesta colectânea de Alfonso Font de título apropriado encontramos o lado mais negro da humanidade, em histórias curtas, mas de reviravoltas pesadas que questionam a religiosidade, a guerra, as aparências ou os relacionamentos.

Em apenas duas páginas o autor consegue construir uma situação e, num desfecho rápido, dar-lhe um desenlace cínico e cortante. Esta forma de retratar as situações (um episódio caricato que termina de forma abrupta, quase cómica ou mirabolante) recordou-me Miguelanxo Prado nas suas colectâneas, ainda que Alfonso Font tenho muitos menos elementos humorísticos.

Um dos temas recorrentes é a execução de prisioneiros. Numa das histórias, esta é confrontada com a piedade religiosa. Em todas paira uma aura de moralidade superior por parte dos executantes, que lhes retira qualquer humanidade – até porque somos apresentados ao prisioneiro sem que nos seja dito que crimes foram cometidos.

A guerra é outra das componentes exploradas pelo autor. A guerra, com as suas mortes sem sentido, os motivos incompreensíveis para quem está na linha da frente ou o aproveitar das populações esfomeadas e disponíveis a tudo para conseguirem a próxima refeição. O pior da humanidade vem ao de cima nos piores momentos e estes episódios, carregados de ironia, revelam esses momentos chave com uma boa dose de brutalidade psicológica.

Do que é capaz alguém no extremo da sobrevivência, e com fome, quando encontra outros seres humanos? Dois diferentes contos exploram esta premissa de forma bastante diferente. Outros, contos soltos, exploram o fascínio da sociedade por momentos tenebrosos na história, em torno do nazismo, e da tortura.

Em vários momentos, nota-se, também, a exploração da hipocrisia. Seja no funeral de familiares pouco amados, mas por quem se chora imenso para se manter uma certa imagem. E claro que, na exploração da hipocrisia é impossível não apresentar episódios envolvendo a religião – seja a imposição de crenças a tribos esfomeadas, seja ao retratar aqueles que acreditam estar a mando de uma voz divina.
Não faltam, também, os momentos de ficção científica, sob a forma de alienígenas que, ao virem ao planeta Terra para se apresentarem, encontram um bando de loucos irritadiços e violentos.

Para além dos vários contos de final negro, o volume contém vários textos sobre a obra do autor, tiras de teor mais experimental, ou histórias episódicas, trechos de volumes maiores. Estes trechos compõem a parte menos interessante no volume, mas constituem uma pequena parte.

Este Dark Stories é uma boa colectânea, principalmente para quem, como eu, não conhecia nada do autor. Em termos visuais, o autor explora bastante os movimentos e as feições exageradas, como forma de dar, ao texto, um sentido mais forte, no contraste de sentimentos e reacções.

A maioria das histórias ocupam duas páginas, o bastante para o intuito a que se propõem, conseguindo, em tão pouco espaço, desenvolver ideias que são interrompidas de forma abrupta e dura, mesmo no final. Algumas coisas ficam por dizer, mas a interpretação dos desenhos não deixa grande margem para outras ideias.
Tal como em Miguelanxo Prado, em Alfonso Font gostei da sucessão de contos que retratam, ironicamente, a humanidade e que terminam com um forte murro no estômago. Mas Alfonso Font consegue ser mais negro, mais irónico, mais forte na sua falta de fé pelo ser humano.