Este lançamento recente da Antígona é uma colectânea de contos que se pode dizer pertencer ao género da ficção especulativa. Abre com um genial conto distópico (e muito futurista) e vai pulando entre elementos fantásticos e de horror, com transformações, criaturas e sombras demoníacas.

O livro abre com o conto que lhe dá o título: A Máquina Pára. Um conto extremamente lúcido que apresenta uma realidade em que, depois de contaminar a terra, os seres humanos vivem sob solo, fechados em suas casas, sem contacto físico com outros seres humanos. Todas as suas necessidades são respondidas por uma máquina que obedece a comandos de voz. As viagens são escassas, a possibilidade de exploração é ridicularizada, e a máquina é adorada como um Deus.

Confinados voluntariamente aos seus quartos, afastando-se de qualquer contacto físico com outros humanos, e habituados a ter tudo fornecido à porta, estes humanos peculiares exercitam-se mentalmente comentando opiniões sobre tudo, e tecendo comentários à opinião sobre um relato de algo – a experiência indirecta levada ao extremo.

-A mãe não é capaz de ver, nenhum de vocês, conferencistas, é capaz de ver que somos nós que estamos a morrer, e que aqui em baixo a única coisa verdadeiramente viva é a Máquina? Nós criámos a Máquina para que cumprisse a nossa vontade, mas agora não conseguimos que tal aconteça. Ela tirou-nos a noção de espaço e o sentido do tacto, obscureceu todas as relações humanas e reduzir o amor a um acto carnal, paralisou os nossos corpos e as nossas vontades, mas não segundo as nossas orientações. A Máquina desenvolve-se, mas não segundo as nossas orientações. A Máquina avança, mas não rumo aos nossos objectivos. Nós só existimos enquanto glóbulos sanguíneos que percorrem as suas artérias, e se ela pudesse funcionar sem nós, deixar-nos-ia morrer. Oh, eu não tenho alternativa…

A Máquina Pára é um conto muito actual que tece excelentes comentários à sociedade actual, à possível evolução da humanidade e à forma como as sociedades e as relações podem evoluir. Não deixa de ser algo irónico o isolamento social descrito (no conto, voluntário) quando o comparamos com o isolamento a que nos vemos forçados. Mas mais extraordinário, é este conto ter sido escrito há mais de 100 anos.

A segunda história, O outro lado da sebe, pretende ser uma metáfora para a vida e para o caminho que se percorre. Mas não tem muito a ver com o meu estilo de leitura. Já a terceira, A História de um Pânico, é uma espécie de conto de horror, onde muito existe por dizer – num passeio pelos montes, o grupo entra em pânico e foge rapidamente. Já mais calmos apercebem-se que um rapaz ficou para trás. Retornam, mas o que encontram não é bem o que deixaram.

Nos contos seguintes encontramos destinos adiados, a cristalização da memória juvenil (confrontada com uma dura transformação), estranhos fenómenos que podem ser interpretados como possessão ou loucura, e transportes para terras divinas (ou para o Inferno, dependendo da interpretação). Existem, ainda, desaparecimentos ou transformações, bem como criaturas sobrenaturais.

E. M. Forster, The Celestial Omnibus – The Culturium

De todos, a primeira história (que é também das mais longas) é a mais marcante. Não só por ser uma história de ficção científica (por oposição às restantes), mas por ser estranhamente actual apesar de ter sido escrita há mais de um século.

Para além desta história, o volume apresenta muitos contos com leves detalhes fantásticos, constituindo o seu enredo quase sempre uma narrativa de terror – subtil e dando a possibilidade de outras interpretações. Também o primeiro conto, A Máquina Pára, pode ser considerado de horror, se tomarmos em conta a angústia existencial que o rodeia.

A Máquina Pára e Outros Contos foi publicado em Portugal pela Antígona.