
Lá estou eu na segunda heresia à série Mattéo (ao adquirir os dois primeiros volumes em inglês, num formato claramente menor e inferior – já agora, disseram-me entretanto que a BD Mania tem a edição portuguesa). Ainda assim, estes volumes são legíveis e dão para perceber a história antes de pegar finalmente no terceiro, publicado em português. Se não leram o primeiro, cuidado com as próximas palavras que poderão dar a entender o enredo anterior.

Depois da experiência bélica que o deixou ferido, Mattéo regressa a casa. Mas no dia em que deveria voltar às linhas da frente, a mãe aproveita-se da sua inconsciência e leva-o num pequeno passeio de barco. Considerado desertor, Matteó esconde-se das autoridades. Mas a sua mente anseia por uma nova batalha, neste caso, uma batalha política que o levará a solo russo.

Na Rússia pouco irá corresponder à sua visão romantizada da batalha política, tanto em relacionamentos, como em ideais. Mattéo descobre, pouco a pouco que, apesar das semelhanças de ideais, existem várias vertentes que se querem tornar independentes e sobre pôr a todas as outras, nem que se tenha, para isso, que eliminar supostos aliados.

A batalha política, sem o horror da violência explícita das linhas da frente de uma guerra, não é desprovida de terror, neste caso, da tortura e da morte sem sentido. Neste caso vai corroendo a inocência de Mattéo e levando-o para um caminho em que a luta política perde todo o sentido.

Pelo meio, ainda visitará a mãe e uma antiga paixão que lá deixou. A jovem que amara (agora uma mulher desolada) leva uma vida muito diferente da que aspirou. O marido preso a uma cama por conta de um ferimento de guerra, uma prisão que se torna em tortura psicológica, e que afasta toda a aura de fascínio que inspirava. Mas nem assim Mattéo conseguirá convencer Juliette a segui-lo.

Tal como no primeiro volume, este segundo continua a demonstrar a excelência gráfica de Gibrat, com feições e posturas expressivas, sem exageros caricaturescos, numa vertente clássica que permite ao leitor alongar-se na admiração das pinturas.

Já em termos narrativos, se o primeiro tinha quebrado a visão romântica da guerra, colocando de lado qualquer honra na morte ao acaso e sem sentido, este segundo demonstra o fervor político no seu auge e como qualquer sentido político pode ser usado para manipular e beneficiar, em argumentos que pretendem justificar qualquer acção tendo em vista um fim político.

É, portanto, uma história de desencantamento político e de crescimento emocional de Mattéo. Entre romances e amizades, Mattéo vai-se deparando com todos os tons de cinzento que um relacionamento pode tomar quando confrontado com o fervor político.

Este segundo volume é uma leitura fascinante, tanto em termos narrativos como visuais, centrando-se numa única personagem para apresentar uma visão pouco idílica de vários acontecimentos, neste caso, levando-nos à Rússia e dando-nos a perspectiva de alguém, sem grande importância histórica, que poderia ter assistido a episódios semelhantes.