Recordando A Casa, do mesmo autor, este é um retrato mais pessoal, centrado nos familiares no autor, e na sua existência, numa época que já não existe, mas que se reflecte ainda na mentalidade dos mais velhos e nas memórias colectivas da família e acaba por afectar relacionamentos e perspectivas.

A história

A história centra-se em Antonia, uma mulher de idade para quem uma única fotografia é um dos seus bens mais preciosos. A fotografia retrata um dia de praia, com a presença de apenas alguns dos irmãos, e os pais. E é a partir desta fotografia que o autor centra a história, aproveitando para alternar entre as diferenças pessoas da família, e a forma como se relacionavam.

Desde o pai de Antonia, egoísta e mimado pela sua própria mãe, incapaz de partilhar e de comunicar, criado numa época em que aos homens apenas era permitido expressar um único sentimento – a raiva; à mãe de Antonia pessoa de origens humildes, sempre de preto, temente a Deus e ciente do seu papel social, entre os pobres, e aspirando à recompensa última.

Esta mentalidade, professada pelo Estado e pela Igreja, permitir garantir a estabilidade social. Os pobres não aprendiam o suficiente, nem lhes era dada abertura para, com o seu trabalho, subirem para além da miséria extrema. Escasseava a comida – principalmente porque era mais proveitoso vendê-la no mercado negro que oficialmente não existia.

A época

A Franquismo professava um papel tradicional da mulher, humilde e trabalhadora, calada e focada em ser mãe e cuidadora da família. O homem deveria ser o principal sustento da família, insensível, bruto, assumindo o papel da autoridade moral em casa, o responsável pelos desvios dos seus filhos, principalmente das filhas, já que aos filhos quase tudo se perdoava.

A religião apoiava esta visão, usando o Paraíso como recompensa única a que os pobres poderiam aspirar, ajudando a criar um espírito complacente, castrando visões mais ambiciosas. Esta visão era, também, uma resposta à insurreição anterior, que teria posto em causa o papel da Igreja.

A par com esta visão, a guerra civil tinha fragilizado economicamente o país. Esta visão está espelhada em vários livros de autores espanhóis, e parece corresponder à situação portuguesa, ainda que a nossa seja pouco retratada em trabalhos de ficção.

Estes elementos estão presentes em todos os retratos traçados em torno de Antonia, mostrando-se como as normais moralistas influenciavam a vida de todos, numa mentalidade retrógada e castradora.

A narrativa

O ponto de partida para tudo é a fotografia. É com base nesta que o autor explora as pessoas que nela figuram (ou as ausentes), justificando-se a importância da fotografia para Antonia. Tão importante quanto a vida de Antonia, são as diferentes vidas que a rodearam e que espelham plenamente a vida da época.

No início de cada capítulo encontramos um título (desenhado entre duas linhas a lápis) e o foco numa das caras da fotografia original, consoante a personagem em que a história se vai centrar a seguir. Esta abordagem permite fazer a devida quebra com as páginas anteriores.

Ainda, o início do livro apresenta uma visão superior a vários quadrados de banda desenhada, colados para comporem várias barras semelhantes aos negativos de fotografias. Em três páginas este foco aumenta, apresentando partes destas barras, cada vez maiores, até uma única imagem – a da mítica fotografia. No final inverte-se esta visão. Trata-se de uma estratégia curiosa que, parecendo estranha no início, permite fechar o livro num sentimento de plenitude.

Conclusão

Regreso al Edén é uma história com elementos autobiográficos de Paco Roca que constitui um retrato perfeito de época. Ainda que o foco esteja numa única família, dá-se algum contexto social de forma a justificar a forma como as pessoas interagiam e tomavam decisões que, à luz actual, nos podem parecer estranhas.

É, assim, uma leitura interessante – quer pelas personagens, quer pela estratégia narrativa do autor, quer pelo contexto histórico. Para mim, uma leitura mais interessante do que os recentemente publicados na última colecção Novela Gráfica.