
Li, já há largos anos, a trilogia dos Mundos Paralelos de Philip Pullman, achando que se tratava de uma das mais geniais séries de literatura fantástica. Apesar de poder ser lida pelos mais jovens (e ter como personagens principais duas crianças quase adolescentes) não é condescendente e possui um mundo com detalhes deliciosos. Vários detalhes do mundo fantástico possuem paralelismo com o do nosso mundo, e alguns episódios podem ser vistos como uma crítica a acontecimentos históricos.
Depois da primeira trilogia, li há três anos, o primeiro livro de uma nova trilogia que decorre no mesmo Universo e em torno das mesmas personagens. Trata-se de La Belle Savage (ou O Livro do Pó vol. 1) em que Lyra é uma bebé que precisa de ser protegida e salva. La Belle Savage decorre antes da trilogia Mundos Paralelos. Em compensação, A Aliança Secreta decorre depois da trilogia Mundos Paralelos, apresentando-nos uma Lyra crescida, no final dos seus estudos e novamente alvo de atenções indesejadas.
A história
A realidade descrita em Mundos Paralelos é bastante semelhante à nossa, constituindo mesmo um mundo paralelo ao nosso em que algumas diferenças terão levado a diferentes rumos históricos. Nesta realidade as pessoas possuem génios – criaturas a quem estão para sempre ligadas que assumem a forma de um animal e com quem partilham o dia a dia. Os génios são entidades complementares, demonstrando pensamento e emoções distintas.
Nesta realidade não existe grande diferença entre homens ou mulheres, mas existe uma diferente divisão geográfica (pelo menos nas regiões não europeias) e o mundo ocidental é fortemente chefiado pela religião. O afastamento da religião é controlado por uma polícia secreta e bruta, bem como por uma dura censura. Lyra, uma rapariga, é alvo da atenção indesejada desta polícia, não sabendo bem o motivo pelo qual têm tanto interesse nela.
Anos depois de Mundos Paralelos, o relacionamento de Lyra e Panta (o seu génio) deteriora-se. Lyra explora vertentes filosóficas demasiado centradas na razão, afastando-se da imaginação fértil que tinha na juventude. Este afastamento irrita profundamente Panta, levando a discussões sucessivas. Se, com outras pessoas, estas discussões com os génios tenham de ser resolvidas de forma mais amena, a capacidade que têm de se afastar fisicamente um do outro, leva a que possam ter experiências separadas e aprofundar, ainda mais, as diferenças entre eles.
Quando Panta presencia um assassinato, durante uma das suas deambulações nocturnas, corre a contar a Lyra. Aqui se inicia o reactivar de uma aliança entre várias pessoas que terão estado envolvidos no seu salvamento (contado durante o primeiro volume desta trilogia). Lyra descobre uma rede de amigos em quem confiar, mas o afastamento do seu génio, acaba por a afastar de tudo o que conhece.
A narrativa
Uma das componentes interessantes desta série fantástica continua a ser o mundo criado. Neste volume apercebemo-nos de detalhes sobre as regiões mais orientais que acabam por influenciar a economia global, mas que também estarão interligadas às alterações políticas e às mais recentes lutas de poder na igreja, nas quais Lyra estará envolvida, ainda que não saiba porquê. Para além dos detalhe do mundo, o relacionamento com os génios é algo único que se intrinca e influencia todo o rumo narrativo, desde a forma de existir das personagens, à religião.
Ao contrário dos restantes livros passados neste mundo, aqui seguimos uma Lyra já adulta e madura. Esta diferença condiciona bastante a forma como age e como interage, tornando a história menos imaginativa e menos movimentada, apesar de todos os acontecimentos graves que se sucedem. Por outro lado, a narrativa alonga-se excessivamente em momentos explicativos e expositivos, tornando-se menos fluída e menos envolvente.
Ainda que tenha gostado (mais que não seja por conta das boas memórias dos volumes anteriores) achei que a história se alongava num rumo estranho, demasiado focado nas viagens de Lyra que, apesar de presenciar acontecimentos graves, acaba por não fazer mais do que viajar. A sua preocupação principal também é algo repetitiva e linear, faltando interacção entre personagens. Assistimos a um acumular de tensão que, a meu ver, precisava de alguma resolução ainda neste volume. O resultado são mais de 500 páginas num segundo volume que não as precisava para contar os mesmos acontecimentos.
Conclusão
Este livro é, até agora, o mais fraco de entre as duas trilogias de Philip Pullman passadas neste Universo. Não se sente a totalidade da urgência, a missão parece um foco demasiado cego, as interacções são sobretudo com personagens secundárias e acumulam-se tensões que não são resolvidas. A leitura intercala momentos mais envolventes com textos demasiado densos em informação. Este segundo volume tem, no entanto, momentos de interesse por percebermos mais detalhes sobre o mundo aqui criado, e espero que tenha construído caminho para um excelente final.
A Aliança Secreta foi publicada em Portugal pela Editorial Presença.