Publicado em Portugal há cerca de 20 anos, Chninkel parece, à primeira vista, uma fantasia quase banal: uma série de criaturas fantásticas que vivem em territórios distintos, sendo que algumas, mais pequenas ou menos inteligentes, são escravizadas para proveito de outras, mais fortes ou aguerridas. Apesar de usar estereótipos de histórias fantásticas, Chninkel consegue surpreender pela forma como os deturpa e modifica, intercruzando a história com as religiões da humanidade.
A história
No Mundo aqui retratado prossegue uma Guerra interminável que vitimiza, sobretudo, as raças escravizadas – ou por serem mais pequenos, ou por serem menos inteligentes. É o caso dos Chninkel, criaturas pequenas e desengonçadas, que oscilam entre feio e cómico. J’on é um pequeno Chninkel que sobreviveu a uma guerra. Entre mortos, ainda no campo de batalha, está acorrentado e sem grande esperança de conseguir fugir.
É neste cenário pouco esperançoso que é visitado pelo Senhor Criador dos Mundos que lhe concede o grande poder. Será visão, sonho ou realidade? A verdade é que a partir daqui, uma série de episódios rápidos de desfecho positivo se lhe sucedem, fazendo-lhe crer que é o escolhido para responder a uma velha profecia que prevê o final da Grande Guerra.
O primeiro destes episódios resulta na morte de uma grande guerreira que persegue um outro escravo. O leitor sabe que tal morte se deveu a uma flecha, mas para as personagens parece que a guerreira cai para o lado devido ao poder do Chninkel. Episódio a episódio, o pequeno Chninkel, ora crente, ora descrente no seu poder, vai ultrapassando os diversos contratempos – ora com amigos que encontra pelo caminho, ora com uma Chninkel que tenta cativar de forma mais íntima.
Crítica
A história é um género de paródia em torno da figura do escolhido. O pequeno Chninkel prossegue as aventuras (inicialmente) na crença de ter poderes, o que lhe dá uma postura mais destemida e corajosa. Quando estas pequenas vitórias são percepcionadas pelos restantes, também eles acreditam estar envolvidos na tão antecipada paz e consequente libertação do seu povo, ganhando coragem para se levantarem contra os poderes instaurados.
Por outro lado, as figuras dos imortais, perfeitos e poderosos, vai sendo minada conforme se revelam os seus defeitos e degradações. Semi enlouquecidos na sua posição de quase deuses, provocam a guerra sem fim. Mas mesmo a figura de divindade suprema acaba por ser ridicularizada, pela forma como dá um suposto poder ao Chninkel que não tem uma utilidade prática imediata – o que não deixa de ser irónico por resultar numa diferença de postura que, na verdade, acaba por ter o resultado desejado.
Depois de ridicularizar as várias figuras divinas ou semi-divinas deste reino fantástico, a história prossegue, tecendo paralelismos com o Cristianismo e interligando-se com a evolução das espécies. O que parece ser uma salgalhada é, na verdade, uma progressão fabulosa com uma doseada ironia inteligente.
Para além desta progressão inteligente, a história está pautada de pequenas ironias, com reviravoltas nas interpretações de profecias. Consequentemente, o que se encontra na localização da demanda é muito diferente do esperado, mas de uma forma mais exagerada do que nas típicas fantasias.
Apesar dos elementos de fantasia, Chninkel não é uma história juvenil, mas direccionada para um público adulto – não só pela necessidade de maturidade para se perceberem algumas reviravoltas, por existirem alguns episódios que envolvem sexualidade.
Em termos de desenho, este apresenta as diferentes raças semi humanóides conferindo detalhes visuais que correspondem a características de personalidade. Os Chninkel, por exemplo, são pequenos e desengonçados, e, consequentemente, fracos e tímidos. Os desenhos são muito expressivos e acompanham o tom narrativo de forma adequada, melhorando a percepção da história.
Conclusão
Chninkel não é uma série que vá agradar a todos – por um lado tem alguns episódios mais adultos, por outro, subverte alguns aspectos da religião; dois aspectos que se integram bem na história e que pautam o estilo narrativo. É, sobretudo, uma série divertida pela forma como usa, ironicamente, os clichés do género, e uma boa leitura para quem gosta de elementos fantásticos!