Muito antes de ler T. Kingfisher (e de saber que se trata de um pseudónimo de Ursula Venom) já tinha posto os olhos nesta antologia que tem um vencedor do prémio Nebula para melhor conto (Jackalope Wives). Este mesmo conto foi, também, nomeado para vários outros prémios, como o World Fantasy Awrd, o Cóyotl, ou o WFSA. Curiosamente, este não é, para mim, o conto mais interessante do conjunto.

Esta colectânea de contos da autora não é muito homogénea. Existem contos longos e curtos, poemas, histórias que mais parecem episódios, e histórias que poderiam originar grandes livros. Alguns parecem demasiado crus, ou reminescências de romances que li e foram publicados posteriormente. Outros são histórias brutais por si. Curiosamente, muitos deles recordam-me vários pontos em comum com outras histórias.

Por exemplo, a referência a esqueletos que se locomovem como se fossem animais vivos, parece ser uma fascinação constante da autora, recordando-me pelo menos de três histórias com esta referência – Nettle & Bone, Nine goblins , A Wizard’s Guide to Defensive Baking, e numa das histórias contidas nesta antologia. Existem, também, diferentes histórias que referem criaturas construídas com partes de outros animais através de magia; bem como pessoas ou animais comandados por outras entidades. É o caso de Origin Story, onde uma fada constrói criaturas a partir de restos mortais.

Outro elemento que aparece em parte das histórias é a utilização de contos, reconstruindo-os. Temos, portanto, The Seventh Bride, Summer in Orcus, ou What Moves the Dead. Nesta colectânea, podemos visualizar o mesmo tipo de conversão ou transformação de contos, com The Dryad’s Shoe ou Razorback. O primeiro uma versão da Cinderela, mas aqui uma jovem que tem muito pouco interesse em casar com príncipes. Já Razorback será uma versão de Rawhead and Bloody Bones, uma história que desconhecia mas que aparentemente teve origem na Europa e foi adoptada (e alterada) na América do Sul.

Esta história, Razorback, usa também outro elemento em comum com várias histórias da autora – as bruxas. Se em Summer in Orcus temos as menções a Baba Yaga e em Bettle & Bone temos bruxas locais que são mulheres com poderes limitados e obscuros, em Razorback acompanhamos uma bruxa boa que vive fora dos limites da cidade (até porque, mesmo fazendo boas acções, ninguém gosta de se recordar que um dia a ela recorreu). Já em Tomato Thief, encontramos uma velhota que vive no deserto e que possui alguns poderes, resolve-se a descobrir quem lhe rouba o fruto das suas plantas. Descobrindo-o, apercebe-se da existência de um mal que tem de enfrentar.

Noutras histórias, os animais parecem ter consciência ou ter alguma capacidade mágica. É o caso de Bird Bones, onde os animais começam a agir de forma estranha, parecendo quase conscientes na forma como se posicionam e interagem. Ou o caso de Telling the Bees que pega numa superstição, de que é necessário informas as abelhas quando alguém falece em casa.

Algumas histórias são simplesmente estranhas e ligeiramente experimentalistas. É o caso de That Time With Bob and the Unicorn, um conto que nos remete para actualidade, centrando-se num homem que pretende captar um Unicórnio… Mas nem o unicórnio será como imagina, nem o homem arranja uma forma tradicional de arranjar uma virgem.

Esta colectânea é representativa do estilo de histórias, mais longas, que podemos encontrar nos livros de T. Kingfisher. Algumas são histórias compostas, outras, como referi anteriormente, são cruas, requerendo, no meu entender, outro tipo de desenvolvimento. Curiosamente, a história premiada que dá título ao livro é das menos interessantes. Origin Story, a história da fada é simultaneamente fascinante, imaginativa e horripilante, enquanto The Tomato Thief nos leva numa epopeia com uma personagem idosa e rabugenta. Dryad’s Shoe, por sua vez, deturpa a lógica da histórias dos príncipes e princesas, mostrando-nos uma jovem que, apesar das suas origens mais nobres, está mais preocupada em jardinar do que em casar.

Aqui há uns tempos, circulava um premissa para uma história diferente, baseada numa personagem velhota que seria tão interessante quanto um herói jovem de espada em punho. T. Kingfisher segue mais ou menos este género – pega me personagens pouco usuais para as colocar em percursos necessários e inevitáveis. Estas personagens não querem ser heróis ou heroínas, mas acabam por ter de enfrentar os seus medos, ou de fazer o que é certo.