E se ao invés de um humano se transformar em barata (premissa que deu origem ao livro Metamorfose de Kafka), uma barata se transformasse num ser humano?

As he stares in horror, the extent of the disaster that has befallen him slowly becomes manifest. He has become, of all things, a human.

É com base nesta inversão que se baseia Kockroach. Transformado em humano, uma barata acorda num quarto de hotel, em cima de uma cama, sem saber como mexer aquele corpo enorme de cor pálida, patas estranhas e sem antenas. Os instintos gritam-lhe que se esconda, mas aquele corpo imenso não cabe em nenhum dos buracos existentes na parede ou no chão. Fechado naquele quarto, aprende, devagar, a mexer-se, andar, comer e a reconhecer como humano aquele outro corpo que continua pendurado a meio do quarto… e com um cheiro convidativo. Passados alguns dias consegue vestir-se, seguindo as fotos que descobre no quarto, e fugir.

Kockroach aprende depressa – no início vive como uma barata, saindo apenas para comer, à noite, os restos de comida, fresca ou em decomposição nas traseiras dos restaurantes. Ouve as frases proferidas por outros seres humanos e aprende a reproduzir aqueles sons guturais. Perdendo o medo, arrisca-se a deambular no meio de outros seres humanos, conhecendo Mite, um ladrão menor, uma espécie de burlão ou vigarista que sobrevive com os pequenos serviços que consegue apanhar. Mite, pequeno, cedo se apercebe da força brutal de Kockroach e o inicia no mundo do crime – tinha encontrado o companheiro perfeito.

A falta de pudor ou moral, conjuntamente com os instintos de barata fazem com que Kockroach suba rapidamente na hierarquia da Mafia local, tornando-se num dos seus chefes. Tal como uma barata, a sua fome não tem limites e deseja comer tudo o que o rodeia, ou mais especificamente, controlar todo o dinheiro, pois é através dele que tem acesso a tudo o que lhe parece fundamental – estatuto, poder, comida, conforto e sexo.

A história desenrola-se, por vezes pela voz de Mite que relata a uma jornalista tudo o que sabe do mundo do crime – sempre interessante, sempre num ritmo semelhante, com lugar a pequenas introspecções sobre o ser humano, consequentes dos acontecimentos.

Ainda que a base da história se assemelhe à de Metamorfose de Kafka, a personagem principal, Kockroach, assim como a reacção dos que o rodeiam relembra Chance de Jerzy Kosinski – uma pessoa que vem do nada, sem raízes e sem educação, mas que ao ficar calada nos momentos certos e apenas reproduzir as frases decorada, passa por mais inteligente, mais sabido e mais forte do que realmente é.  Assim vai ganhando o seu lugar no Mundo, e ocupando importantes cargos.

Este foi um dos melhores livros que li nos últimos tempos – ainda que partindo de uma hipótese inverosímil, consegue cativar o leitor, sem passagens paradas ou mortas,  sempre interessante. Sem comoções, um livro sobre os podres dos seres humanos, entre os quais uma reles barata singra.

Publicado em Portugal pela Paralelo 40º, podem consultar o site oficial do livro.