O ciclo O Comboio dos orfãos é um conjunto de seis histórias sobre uma realidade americana, no início do século, que me era desconhecida antes de ter começado a pesquisar no seguimento desta leitura. Nos anos 20 as crianças abandonadas ou sem pais acumulam-se pelas ruas das cidades, causam problemas e iniciam os primeiros passos num estilo de vida que não é difícil de prever.
No interior do país sucede o contrário – os territórios menos populados carecem de mão de obra e de sangue novo. Juntando estes dois contrastes, iniciou-se uma política de redistribuição destas crianças, esperando dar-lhes um lar, um futuro diferente daquele que os esperava nas ruas da cidade, em bando.
O elevado número de crianças e a própria natureza humana transformam, em pouco tempo, esta boa acção numa distribuição de mercadorias indesejadas, distribuindo sem grande critério as crianças, e deixando de ter capacidade para acompanhar a sua integração. É engraçado, também, reparar o quão depressa as actividades de caridade passam a ser rodeadas por uma certa autoridade e superioridade moral, deixando de servir o propósito inicial, e passando o foco para o benfeitor, engrandecido pela sociedade.
Este volume contem as duas primeiras histórias do ciclo e fecha os acontecimentos que envolveram dois rapazes, Jim e Harvey. A acção decorre em duas linhas temporais, seguindo ora os rapazes no comboio dos órfãos, ora um velhote que dá pelo nome de Harvey, 70 anos depois.
No comboio seguimos os órfãos, desde o orfanato, até às famílias onde se integram finalmente. Jim toma conta dos dois irmãos, fazendo planos para contactar mais tarde o pai que terá deixado na cidade – mas como não sabe ler, não sabe que o bilhete que tem, ao invés da morada do pai, tem uma mensagem de despedida.
Harvey é um rapaz mais sabido, rejeitado pela primeira família por ser pouco trabalhador e criar demasiada confusão. Aproxima-se de Jim e tenta ensinar-lhe truques para aproveitar o seu maior tamanho e extorquir aos restantes elementos da expedição aquilo que quer. Jim, bom rapaz, apesar de tudo, mantém-se fiel às suas convicções.
A história é envolvente. É impossível não sentir empatia por aquelas crianças, algumas iludidas, que são transferidas para lugares distantes, integrando famílias que nem sempre têm para eles o lugar de filhos. Ao longo da viagem vamo-nos apercebendo da existência de contrabando de crianças com determinadas características (loirinhas, de preferência) e que nalguns sítios as crianças serão uma nova espécie de escravos.
Apesar da situação trágica em que se encontram as crianças, os episódios são envoltos em pequenos detalhes cómicos e apresentam pequenos diálogos quase inocentes que refletem a visão infantil, menos prática, mas mais pura dos acontecimentos. Para além da história, é de realçar os desenhos onde as personagens exibem alguns traços caricatos e as imagens possuem grande profundidade e estão carregadas de detalhes curiosos.
Uma excelente leitura que em Portugal foi publicada pela Arcádia (Babel).