Há dois anos tive a oportunidade de comentar o primeiro tomo de O Comboio dos Órfãos, que adorei. Trata-se de uma série francobelga lançada pela Arcádia que retrata a vida das crianças abandonadas nas grandes cidades americanas nos anos 20. Estas crianças eram levadas para o interior do território americano onde lhes arranjavam famílias de acolhimento. Mas se algumas famílias tratam estas crianças como membros das suas famílias, noutras são uma espécie de escravos, habitantes de segunda categoria sem condições nem possibilidades de educação.
No primeiro volume (que, tal como este, reúne duas histórias) conhecemos a história de dois rapazes cujo destino foi trocado, sendo que um deles, com esta troca, perde a irmã. Os irmãos, ainda que não sejam órfãos, são abandonados pelo pai que não tem condições para os educar. Apesar da situação trágica em que se encontram as crianças, os episódios são envoltos em pequenos detalhes cómicos e apresentam pequenos diálogos quase inocentes que refletem a visão infantil, menos prática, mas mais pura dos acontecimentos. A dura realidade percebe-a o leitor que sabe algo do destino que os espera.
Neste volume conhecemos, mais detalhadamente, a história de Lisa e de Joey – Lisa, uma rapariga de quinze anos, que percebe muito bem a distribuição dos rapazes e que ajuda a cuidar deles. Não espera é ela, também, ser adoptada, mas não com o intuito de fazer dela uma filha, antes uma noiva – o “dono” de uma cidade mineira quer casar e celebra o futuro casamento na taberna local. Por sua vez, Joey foi adoptado por uma família mexicana que o trata bem, mas vê-se arrancado dessa família pelo desejo de um bêbado em ter alguém que trabalhe para ele – o motivo para que os interesses do bêbado possam ser sobrepostos aos da família mexicana? Ser branco.
Ambos se encontram na taberna onde se celebra o noivado e decidem fugir para Nova Iorque em busca do irmão de Joey. Mas como podem viajar sem dinheiro? Ajudados por alguns que pouco têm, ludibriando a entrada em comboios e pedindo esmolas, conseguem encontrar o homem que distribuiu as crianças e que deveria saber qual o destino que deu a cada um. Na realidade a investigação vai-se tornar mais difícil e carregada de imprevistos.
Oscilando entre as perspectivas de várias personagens e as duas linhas temporais (aquela em que decorre a distribuição de crianças, e uma mais actual em que as crianças se transformaram em idosos), O Comboio dos órfãos é uma série carregada de sentimentos contraditórios. Por um lado, as personagens são retratadas com pequenos exageros, tornando-as caricatas e de fácil empatia, por outro, a situação em que se encontram é psicologicamente pesada. A combinação das duas componentes torna a história sublime e não é por acaso que, após a leitura do primeiro volume em português, adquiri a restante série em francês, voltando agora ao português com este segundo volume duplo (os volumes da edição francesa possuem apenas uma história cada um).
A série é publicada em Portugal pela Arcádia.
Outros volumes da série