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O documentário sobre a obra cinematográfica de António de Macedo estreou ontem e nada me preparou para 100 minutos de momentos tão bem passados pois, aparte as tristezas da tacanhez portuguesa, está carregado de episódios de contagiante boa disposição.

Que em Portugal prolifera a mentalidade dos compadrios, dos núcleos de mútua bajulação e da necessidade de ser hermético e incompreendido para se ser considerado relevante, já não é novidade. Qualquer linha de exploração que não corresponda ao que um circuito auto-nomeado designa de artístico ou de intelectual é escarnecida. Se ainda por cima esta linha de exploração trouxer distinção em meios internacionais relevantes, então torna-se um alvo a abater, nem que seja em momento mais propício.

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Sendo o momento de distinção internacional a escolha de A Promessa para a selecção oficial de Cannes, o que transpareceu é que a relevância de alguém fora do núcleo ideológico foi recebida como o “mijar fora do penico” – a ousadia de se fazer notado sem a autorização dos medíocres que se acham na autoridade de decidir o que é relevante, mas que na verdade, têm medo do que o espelho possa revelar.

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Mas começo pelo fim – pelo que me parece ser o verdadeiro motivo para terem apagado as referências a António de Macedo – ao invés de referir o percurso exposto no documentário, que começa com o seu aparecimento no pequeno cenário português ao escrever A evolução estética do cinema, tornando-se um dos pioneiros no Cinema Novo.

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De filme em filme, vai explorando novas técnicas e novas ideias, sofrendo, quase sempre, dificuldades com a censura pela audácia de algumas cenas pouco adequadas para a mentalidade fechada portuguesa da época. Se antes do 25 de Abril a censura era a oficial, nem depois deixou de ser alvo de repressão, mais concretamente pela Igreja Católica perante o filme As horas de Maria.

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Sem medo de apresentar cenas de acção (como em Sete Balas para Selma que apresenta um agente secreto da Buraca) ou narrativas de ficção científica (como Os Emissários de Khalom) António de Macedo utilizou os poucos recursos de que dispunha para fazer o que queria, correspondendo, por vezes, ao agrado do público, o que o levou a ocasionais sucessos de bilheteira (coisa impensável no meio artístico português).

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Mas se, por um lado, estes ocasionais sucessos de bilheteira puseram os críticos de cabelos em pé (principalmente depois da relevância atribuída a A Promessa), quando as audiências baixaram abriu-se o momento propício para o votar ao esquecimento, fazendo-o pagar pelo atrevimento de um sucesso anterior não autorizado.

Hoje, as referências são quase inexistentes, escondidas. Veja-se. O documentário estreou, proporcionou 100 minutos de extraordinária diversão, foi aplaudido de pé até à exaustão e as referências pós-estreia em jornais resumem-se a uma, num jornal digital. Felizmente, ainda existem blogues relevantes que proporcionam mais alguma informação:

Deixo-vos o teaser: