Em O Último Recreio assistimos à mesma premissa do clássico O Deus das Moscas, agora com impacto mundial – quando um ataque biológio mata todas os adultos, as crianças vêem-se sozinhas no mundo, sem ninguém para as vigiar ou direccionar no que é correcto, sem capacidade de produção de alimentos, brinquedos ou desenhos animados.

Mas se em O Deus das Moscas as crianças apresentam uma maldade absoluta, mas organizada, que parece ter origem na ausência de moralidade e necessidade de integração social (com um perigoso jogo de poder), em O Último Recreio a abrupta ausência de adultos leva ao medo e ao desespero, ao descontrolo e à violência.

Que espécie de sociedade constroem as crianças? Como determinam quem são os líderes e o que farão para sobreviver? Os chefes determinam-se pela força física ou pelas armas. Para sobreviver exploram casas abandonadas e armazéns em busca de comida enlatada. Tal plano tem, claro, um fim e as crianças serão obrigadas a deixar as grandes cidades.

Para além do terror de se verem sem adultos, as crianças têm de enfrentar a realidade de estarem a crescer – as armas biológicas não só mataram todos os adultos, como matam aqueles que atingem a maturidade sexual. Começar a sentir desejo é, na prática, uma sentença de morte.

De fundo negro, a preto e branco, os desenhos detalhados mostram crianças transformadas em pequenos adultos, muitas sem a capacidade para separar o bem do mal, que acabam por se impor como conseguem. Algumas bloqueiam e isolam-se em ciclos de loucura. O mundo aqui retratado é duro e apresentado pela perspectiva desesperada de crianças desnorteadas.

O último recreio é uma leitura envolvente e de boa qualidade visual, apresentando o fim da humanidade como a conhecemos, e um possível recomeço, com os restos da tecnologia, sem que exista quem a saiba utilizar devidamente. Seria interessante ter assistido a um maior desenvolvimento da premissa, ainda que a história que nos seja apresentada aqui seja suficiente.

Mas mais do que esta leve perspectiva de um novo renascer da humanidade, O Último Recreio retrata o desespero de milhões de crianças que se vêem sozinhas, sem a moralidade e as indicações dos adultos, sem saberem o que é correcto, traumatizadas – mas aprendendo constantemente com as interacções, voluntárias e forçadas.

O Último Recreio foi publicado na colecção Novela Gráfica de 2018,  pela Levoir em parceria com o jornal Público.