Quando pensamos em horror (ou pelo menos quando penso) a primeira coisa que me vem à cabeça não é a política. E se me falarem em política provavelmente vou pensar em deputados transformados em zombies. Ou em algo semelhante. Mas a verdade é que o horror é usado em política para nos manipular. E é verdade que, na narrativa de horror podem existir influências políticas.
A palestra na Worldcon contou com pessoas como Brett Cox (escritor, professor e membro fundador do prémio Shirley Jackson – agora vice presidente do prémio), Rosanne Rabinowitz (escritora) e Charles Stross (também escritor, conhecido pelas suas extensas séries de ficção) e iniciou-se com uma frase do Editor da revista Rue Morgue.
“Having been editor here for over two years, I’m keenly aware that not all of our readers share my passion for applying genre concepts to a greater understanding of the world around us. I’ve fielded complaints about the magazine becoming too political, and I never dismiss reader feedback without considering what’s being said with an open mind and an open heart. What I ask in return is to consider the following: that horror deals in fear, and fear deals in power. Those who have power will inexorably wield it against those who don’t by means of physical, psychological and constitutional violence or intimidation, and the study of these power differentials in society is social politics. Horror is, by nature, political.”–Andrea Subissati, “Note from Underground,” _Rue Morgue_, July/August 2019, page 6
Trata-se de uma abordagem interessante, principalmente quando nos deparamos com os tempos actuais. Razão pela qual comecei por usar uma das premissas mais comuns da narrativa de horror, o medo do outro. Ainda que, normalmente, o outro seja o alienígena, o monstro, ou o assassino – uma entidade alienada que, não sendo como nós, nos quer fazer mal. Para a narrativa de horror o ser, normalmente esta é uma expectativa que se cumpre. A não ser quando o autor pretende desenvolver uma linha narrativa anti-cliché.
Mas em política, este medo pelo outro é usado da mesma forma. O outro (seja o estrangeiro ou o pobre) é alienado e transformado no monstro que quer roubar as nossas casas, os nossos empregos, a nossa comodidade. O medo transforma-se numa arma que tem como objectivo dividir para conquistar. Uma forma de manter o foco num potencial e falso inimigo, como forma de distrair em relação aos ordenados que se mantêm baixos enquanto as grandes empresas concretizam somas obscenas usando trabalho barato.
Mas não só. O medo é usado politicamente. Se, por um lado, nos dizem o que não temer – as alterações climáticas ou a contaminação dos alimentos – por outro dizem-nos o que temer usando esse mesmo medo do outro. O medo é usado para manipular, de uma forma arrepiante que poucos autores de horror conseguem reproduzir.
Tão interessante quanto o medo do outro, será o medo do nosso vizinho. Curiosamente, a caminho desta palestra estava a ler um dos livros de ficção científica de Robert Jackson Bennett, Vigilance e deparo-me com o seguinte parágrafo:
The heart of the matter was that from the beginning, America had always been a nation of fear. Fear of the monarchy. Fear of the elites. Fear of losing your property, to the government or invasion. A fear that, though you had worked damn hard, some dumb thug or smug city prick would either find a way to steal it or use the law to steal it.
O medo do outro, que não conhecemos é levado a outro nível. Numa época em que a tecnologia nos aproxima de alguns, mas nos afasta dos vizinhos e se convive cada vez menos com as pessoas do nosso bairro ou do nosso prédio, o “outro” está muito perto de nós. Neste caso específico, o medo é usado para incitar à aquisição de armas para defesa, com uma narrativa que promete que qualquer um pode estar preparado. E vigilante.
Contata-se, assim, que o medo é lucrativo. É o medo que nos leva ao preconceito e ao isolamento. É o medo, por nós e pelos que gostamos, que nos torna manipuláveis. E é a possibilidade de segurança (falsa) que tem, tantas vezes, culminado na guerra e na destruição.