
Crónica do Rei Pasmado é uma divertida sátira às cortes reais, apresentando-nos, mais especificamente, a de Filipe IV, mostrando um rei jovem, mais obediente do que exercitando vontades, subjugado pelo protocolo e pela igreja, Quando, depois de uma noite com uma famosa prostituta, expressa a vontade de ver a rainha nua, gera-se o caos na corte, no clero e no país. E não é por falta de vontade da rainha em cumprir esse desejo.
Rapidamente se convocam várias reuniões entre teólogos, inquisidores e outros membros do clero, para decidir as consequências que tal acção, por parte do rei, terá no destino do país e na moral do povo. Não é de todo estranhar que, da parte deste grupo, se decida que o Rei não pode ver a Rainha nua, iniciando-se uma série de conspirações que visam impedir as mútuas visitas nocturnas – fechando, até, todas as portas que dão acesso à rainha, ou provocando (sob aparência de acidente) a morte do benévolo confessor do Rei.
Diz Vossa Mercê a Graça do Senhor? Acha que a Graça do Senhor se manifesta no coito? Ou na contemplação desses horríveis penduricalhos das fêmeas que se chamam peitos? Ou prefere que a contemplação se verifique pelas costas, evidentemente contranatura? Refiro-me, como é óbvio, à contemplação das nádegas.
Pasmado com o corpo da prostituta, antecipando a visão do corpo da mulher com quem casou, o Rei é, ainda, um frouxo demasiado inocente que só pelo pajem se apercebe das intenções dúbias dos que o rodeiam. Instigado por um misterioso Conde, e ajudado pelo pajem, lá se tecem planos para fazer a vontade do rei, percebida a parvoíce que é pensar que o futuro do país depende de tal acto.
O padre Villaescusa voltou-se para ele com fúria.
E Vossa Paternidade não as obrigou a vestirem-se? Não era essa a primeira missão do seu ministério?
Eu, Padre, ensinei-lhes que o filho de Deus tinha morrido por todos os homens, também por eles, e que os esperava no paraíso.
Um paraíso para gente nua?
Não sabemos como estarão no paraíso aqueles que o merecem, mas suspeito que nao terão levado as suas roupas consigo.
Em tom cómico e audaz, revelando as preocupações vãs de um conjunto desocupado de homens que retira de tudo grandes sentidos e efeitos no Reino, apresenta a hipocrisia de uma corte em que todos pecam mas se devem manter as aparências perante os restantes membros e, sobretudo, perante a Igreja, não vá a instalar-se novo auto de fé.
Leitura rápida e divertida, Crónica do Rei Pasmado começa com uma introdução de Daniel Sampaio onde nos apresenta outros livros do autor! Infelizmente estes outros não parecem estar publicados em português.
Li depois Fragmentos de Apocalipse (1977), romance poliédrico em que um escritor nos apresenta sucessivas versões do livro que está a escrever e nos conduz por um labirinto de alternativas e mudanças de rumo, relacionadas com a experiência íntima do processo literário. (…)
Na obra póstumas, Doménica (1999), Ballester conduz-nos num mundo de fantasia, cheio de bruxas, gigantes e cavaleiros, onde um príncipe é conduzido pela mão de uma rapariga inquieta: um texto curto para todas as idades, como é costume referir.
Crónica do Rei Pasmado foi publicado na colecção Essencial / Livros RTP.

Eu também gostei muito deste livro. 🙂 E do filme dos anos 90 que me levou até ele.