Paracuellos decorre num tempo em que as crianças ainda não eram crianças. Ou melhor, apenas algumas eram. Nos anos 50 algumas crianças trabalhavam desde pequenas. Era assim em Espanha. Era assim em Portugal. Outras, eram colocadas em colégios internos do estado, onde se batia primeiro e se conversava depois.

Com este enquadramento, Todo Paracuellos reúne os volumes publicados entre 1976 e 2003 por Carlos Giménez, um autor espanhol que cresceu nestes colégios. Aqui se retratam episódios verídicos, alguns vividos pelo autor, outros por seus conhecidos.

Esta é, simultaneamente, uma leitura fofa e pesada. Por um lado, temos uma série de meninos, capazes de fazerem as mais inventivas diabruras. Por outro, temos as duras condições de vida que os levaram a ser internados num colégio. Alguns são órfãos, outros foram abandonados, outros têm os pais internados em sanatórios, ou a trabalhar longe.

Para estas crianças, os colégios internos eram a solução. Mas as condições em que viviam era desumanas, educadas num estranho fervor religioso que prescreve rezas ao invés de medicamentos e que coloca as crianças ao sol abrasivo durante horas e sem qualquer protecção. Os brinquedos são poucos e os castigos exagerados – ora porque nem sequer houve verdadeiramente uma ofensa, ora porque a ofensa é diminuta quando comparada ao castigo.

Entre os episódios destacam-se o receber mais de cinquenta chapadas por se soltar (sendo que quem as levou nem sequer seria o culpado), o não ter acesso a água (racionada a um copo por criança durante toda a tarde), a devolução dos brinquedos recebidos no dia de Reis, ou o terem tanta fome que até as cascas são rapidamente comidas. E todos levam por igual. Mesmo um menino com uma deficiência é obrigado a correr, levando pontapés e chapadas quando chega em último.

Este Todo Paracuellos reúne seis volumes diferentes publicados ao longo de 30 anos. Nesse período mudou um pouco o estilo e mudaram, também, as histórias. As primeiras, mais curtas e cortantes, apresentam rapidamente os meninos para prosseguir ao episódio em si que pretendem relatar. As últimas constroem personagens, mostram mais do seu quotidiano e criam grandes aventuras. Em termos visuais também existem mudanças. O estilo inicial mais realista torna-se mais caricaturesco, e os desenhos apresentam menos detalhes no enquadramento dos episódios.

As crianças fazem diabruras. Experimentam coisas impensáveis, fazem porcarias e sujam-se. Mas na sua maioria, são crianças que tentam brincar o máximo possível, ultrapassando a fome e a sede de formas originais. Já os adultos, são viciosos e maldosos, interpretando as acções dos meninos como se de adultos se tratassem. Os castigos não têm lógica. A maioria das regras também não.

Todo Paracuellos é uma leitura excepcional que nos leva num rodopio de emoções. Rimo-nos com as diabruras. Choramos com os castigos duros e injustificados. Sentimos pelas crianças que são abandonadas por adultos egoístas. Simpatizamos com a sua obsessão por pequenos livros de banda desenhada. Antagonizamos os adultos que os maltratam.