Com a publicação, recente, em português do terceiro volume pela editora Ala dos Livros, deixei de procurar os volumes anteriores em português e adquiri uma versão em inglês. Esta tem menor tamanho do que a portuguesa, mas ainda assim, consegue-se admirar a expressividade dos desenhos.

Mattéo leva-nos a 1914, o ano da Primeira Guerra Mundial, centrando-se na personagem que dá nome ao volume. Filho de refugiados espanhóis, Mattéo sente-se à parte quando os outros jovens franceses começam a ser chamados, um a um, ao campo de batalha.

Sem o pai (pacifista) para o aconselhar, Mattéo sonha cada vez mais com a ida para a Guerra, um sonho romântico que não deixa esmorecer, nem com as cartas de um amigo que lhe descreve um inferno sem fim. Este sonho de honra na batalha é alimentado pela fuga emocional da namorada – uma jovem que admira outro rapaz, o filho dos ricaços da terra, pelas suas façanhas bélicas.

A combinação de todos estes elementos levará Mattéo aos campos da Primeira Guerra Mundial que, como esperávamos, se revelam desoladores, quer pela violência, quer pelos terrenos enlameados sem fim, quer pelos oficiais superiores que tecem ordens caprichosas com desprezo pelas restantes vidas.

Sem ser muito gráfico em relação aos horrores da Guerra, Mattéo explora o cinismo bélico que resulta em duas visões muito diferentes – a do oficial e a do soldado. Enquanto o primeiro assiste ao evento, protegido e distante (quer geográfica, quer emocionalmente), o segundo perde a vida, ou um braço, ou as faculdades mentais.

Expressivo, quer através do texto, quer através de posturas e feições (mas de uma forma clássica), Mattéo apresenta-se em tons pastel, excepto pelo destaque ocasional de cor – um vestido vermelho, uma explosão alaranjada, o sangue que se espalha. Também se denota a diferença de luz entre os cenários de conflito, sombrios, de pouca luz e dando mais destaque às expressões faciais pesadas; e os restantes, luminosos e detalhados. A par com a narrativa, o factor visual confere o sentimento necessário à leitura de cada página.

Mattéo é, sobretudo, um livro envolvente. Ainda que a história se centre numa só personagem, o autor vai tecendo os acontecimentos em seu torno, revelando-nos pensamentos e sentimentos, complementando com cartas e conversas. Mas sem elementos desnecessários, pois tudo o que existe serve a história.

A narrativa é, sem dúvida, anti-guerra: o confronto da versão oficial com a versão soldado, da visão romantizada com a realidade, os acontecimentos pouco honrados e pouco lógicos. A par com o que o autor nos apresenta desenrolam-se conversas a favor e a desfavor da guerra, mas a conclusão é quase sempre a mesma – apesar da suposta honra bélica, o ir para o campo de batalha é uma carnificina.

Tal como outros livros de Gibrat, este primeiro volume Mattéo fascinou-me. Por um lado, temos o desenho – fabuloso, principalmente nos episódios que não se referem à guerra. Por outro, a narrativa, que tece argumentos em torno da guerra enquanto explora uma personagem dividida pela vergonha da paz e a honra da guerra.