Ainda há pouco tempo comentei a quase inexistência de histórias ficcionais de banda desenhada em torno da ditadura salazarista. Enquanto que, no mercado espanhol, as histórias em torno da ditadura franquista surgem que nem cogumelos, no nosso mercado são raras. Eis que surge, na colecção Novela Gráfica, uma história que se centra na P.I.D.E. mas de autoria italiana.

Tortura. Silêncio. Morte. Em As Paredes têm Ouvidos exploram-se todas estas vertentes da ditadura, centrando-se na actuação da P.I.D.E no edifício que lhe serviu como sede. A narrativa começa por nos apresentar como a história parece ser apagada ao se converter este prédio em condomínio de luxo, em pleno Chiado.

A partir deste episódio mais actual, a narrativa desloca-se para 1970, centrando-se nas técnicas de intimidação da P.I.D.E. Surgem ameaças de violência e morte que todos sabem ser de fácil concretização. Perseguem-se jovens por motivos algo estranhos, alegando-se perversidade pelas mais simples acções. Destroem-se vidas e famílias com excessiva facilidade.

Alguns safam-se vivos dos questionários, vomitando outros nomes em troca de si próprios, mas perdem a dignidade face aos que os rodeiam, que suspeitam, claro, do que a fraqueza revelou. Outros não se safam, e são descartados de forma cobarde.

Apesar de algumas páginas em tom mais experimental, As Paredes têm Ouvidos apresenta uma narrativa interessante em torno da P.I.D.E.. Exploram-se relacionamentos e silêncios, traumas e resisências em ditadura, não se esquecendo o relacionamento ou a menção com as colónias.

A narrativa é pesada em ambiente, explorando este período até ao 25 de Abril, altura de libertação em vários sentidos. A abordagem é próxima dos habitantes e das suas vidas, deixando a componente política como elemento subjacente à época.

É um retrato interessante das atrocidades em ditadura, ainda que, em termos narrativos, não me tenha deslumbrado. É eficaz, consegue abordar personagens, e é uma boa leitura, ainda que não chegue ao patamar de uma grande obra. Este volume foi publicado na colecção Novela Gráfica da Levoir em parceria com o Jornal Público.