O género fantástico costuma ser um pouco mal tratado pelos nossos autores. Ou é tratado como género para crianças e jovens adolescentes, ora com enredos condescendentes, ora com premissas semelhantes a outras séries de autores estrangeiros. Não que a fantasia não possa e não deva ser para crianças e adolescentes, mas é raro haver a publicação de alguma obra fantástica para um público mais maduro – principalmente se retirarmos as obras que se ficam pelo realismo mágico (e que pode ser desculpado, por alguns, como sendo figurativo ou metafórico). Existem algumas excepções, e este livro é uma delas.

A História

Em A Última Vida de Sir David, o rei desapareceu. O príncipe, órfão de pai, é educado pelo gato – mas não um gato qualquer. Bem, deveria dizer uma espécie felina que se assemelha com um gato, mas que, para além de inteligentes, detêm bastante conhecimento. A melhor amiga do príncipe é uma jovem que aspira a ser bruxa, dominando feitiços de forma exemplar. Uma amizade pouco apropriada para o jovem príncipe.

Quando as crianças começam a desaparecer na cidade, provavelmente levadas por um dragão, o medo apropria-se de todos os adultos e instala-se uma recolha obrigatória. Nada que a dupla de amigos não tente contornar. Mas quando a amiga do príncipe desaparece, começa a grande aventura pelo salvamento da rapariga.

As personagens

Cada personagem tem características próprias e formas diferentes de responder aos acontecimentos. Esta construção é mais aprofundada com algumas personagens, mas denota-se uma postura substancialmente diferente entre as personagens principais. Faltou-me, no entanto, alguma motivação para as acções de algumas personagens secundárias.

A narrativa

A narrativa é densa. Pedro Galvão apresenta um estilo de escrita pausado e pesado, com frases bem construídas mas longas, retirando ao texto alguma flexibilidade e, por vezes, a sensação típica dos episódios de acção que se querem mais fluídos e dinâmicos. Este é, para mim, o ponto mais negativo do livro.

Ultrapassando este estilo narrativo, a história está carregada de elementos fantásticos, alguns deles clichés, mas bem usados. O autor consegue criar, com sucesso, imagens fantásticas com pequenos twists inusitados, conferindo, desta forma, alguma boa disposição a alguns dos trechos. Existem, também, episódios mais sérios, que se apresentam devidamente desprovidos de elementos mais caricatos, sobretudo nos episódios em que as personagens se confrontam com perigo real.

Nota-se que houve, em A Última Vida de Sir David, uma construção de mundo e um plano narrativo. Alguns elementos apresentados no início da história encaixam com os acontecimentos que se sucedem, deixando-se para trás a sensação, comum às narrativas sem plano prévio, de existirem elementos caídos aos trambolhões pelo meio da história.

Conclusão

Não é uma história que se inicie facilmente. É necessário criar hábito para esta densidade narrativa, mas os elementos fantásticos que possui (devidamente doseados) e a forma como a história é desenvolvida, compensam o investimento inicial.

Ao contrário do que é habitual na maioria dos livros fantásticos de autores portugueses, existe uma combinação original de elementos em A Última Vida de Sir David que tornam este livro uma boa opção de leitura para os fãs do género. Ou até para quem não lê Fantasia porque está farto de cópias.

A Última Vida de Sir David foi publicado pela Imaginauta.