
Em Crónicas da Birmânia o autor conta a sua experiência no país, ao se mudar, durante o ano, com a família, para seguir a esposa que é médica e aceitou uma missão nos Médicos sem Fronteiras. O autor usa o seu quotidiano (entre a escrita e o cuidar da criança) para mostrar algumas características deste país e a realidade de pobreza, regressão cultural e censura.
A história
Após a chegada ao país, estabilizar não foi fácil. As primeiras semanas são passadas em busca de uma casa que não seja uma das típicas mostradas pelas agência de viagens. Finalmente, numa casa adequada, a família separa a sua rotina. A esposa está praticamente ausente em missões constantes, enquanto o autor passa os primeiros dias a habituar-se ao país, explorando a cidade com a criança e reportando algumas diferenças culturais.
O autor aproveita para descrever a visão de um ocidental, que procura outros ocidentais para conviver e trocar informações. Pelo menos na primeira parte do livro. No final o autor reporta ainda uma viagem ao interior do país e uma experiência num monge budista para meditar.

A narrativa
Como já é habitual no autor, Crónicas da Birmânia apresentam a própria visão do autor, demonstrando em primeira mão a sua experiência e a forma como vê os locais. Esta abordagem não funciona, a meu ver, tão bem com este livro porque existe nitidamente uma diferença entre as experiências da primeira parte e da segunda, levando a uma quebra narrativa. Esta diferença é interessante, mas retira alguma coerência ao volume.
A Birmânia
A leitura de Crónicas da Birmânia deixou-me sentimentos mistos. Por um lado revela a habitual visão do autor, que chega a ser caricata. Os costumes são diferentes, e o autor destaca as divergências com espanto. No entanto, a simpatia dos nativos parece assumida como cultural e poucas vezes é reconhecida pelo autor.
Outro dos aspectos que é desconcertante é o luxo em que vivem alguns dos estrangeiros sobretudo os que lá estão em missões diplomáticas. A realidade do autor é um pouco diferente, mas se compararmos este luxo com as condições dos nativos que os leva aos elevados índices de toxicodependência, é impossível não ficar chocado.
Destaca-se, ainda, a censura, os militares nas ruas, e a miséria crescente. Percebe-se, também, que nem sempre assim foi. Os mais velhos, sobretudo doentes ou acamados que o autor vai conhecendo, além de falarem em inglês pedem desculpas pelo estado de degradação do país, demonstrando vergonha.

Conclusão
Não é a primeira vez que o autor retrata sociedades em ditadura ou em que se sente o peso da censura e da supervisão militar. No entanto, a postura pacífica da população, a extrema pobreza e toxicodependência contrastam de forma acentuada com o luxo dos ocidentais. Em termos narrativos, existe uma diferença de tom ao longo do volume que o torna algo desequilibrado. É, no entanto, uma leitura razoável pelo conteúdo e pela visão que transmite.
Crónicas da Birmânia foi publicado em Portugal pela Devir.