
Guy Delisle é conhecido por várias histórias de banda desenhada onde apresenta as estadias em países politicamente instáveis ou complicados, como a Birmânia ou a Coreia do Norte. Mas este volume promete algo muito diferente, levando-nos às recordações do autor no seu primeiro trabalho de verão numa fábrica de papel.



A história
Antes de optar por uma licenciatura em animação, o autor experimentou trabalhar numa fábrica de papel para ganhar algum dinheiro durante o Verão. A escolha desta fábrica não foi por acaso – o pai trabalhava nela como engenheiro. Guy, por sua vez, candidata-se a uma posição de trabalhador, começando pelo nível mais inferior da hierarquia fabril.
Ao longo de alguns Verões vemos o autor a retornar, a ganhar maior experiência e a relacionar-se com alguns dos trabalhadores – alguns, tal como ele, são temporários, enquanto outros deverão permanecer naquele lugar até à reforma. As interacções vão mudando conforme cresce e opta pelo curso.


Crítica
A narrativa centra-se fundamentalmente em três vectores: as tarefas que realiza na fábrica (e o que vai aprendendo), as interacções com outros trabalhadores, e a sombra do pai naquela fábrica. Este terceiro vector é mais subtil e leve, ocupando um pouco mais de espaço na narrativa do que o número de páginas deixa percepcionar – o pai é uma figura distante e solitária, apesar de bem disposta que tenta comunicar com Guy.
Na componente de tarefas, Guy explora, também, o receio dos acidentes de trabalho, falando tangencialmente do perigo que algumas das máquinas constituem. Existem, claro, detalhes caricatos, pequenos segredos que se descobrem (na forma de cortar e de enrolar o papel) e truques que nunca serão aprendidos.
Já as interacções com os restantes trabalhadores revelam um mundo diferente. Homens duros que não querem colocar protecção como forma de se sentirem superiores aos engenheiros, sonham com o próximo degrau na hierarquia fabril enquanto hostilizam os trabalhadores de verão que fazem quase tanto dinheiro quanto eles.
Apesar de, neste caso, Guy não explorar a realidade de um país diferente, sentimos que a realidade que nos apresenta é, também, muito distinta e própria, com uma cultura específica e interacções muito diferentes do que podem ser percepcionados noutros trabalhos. Ainda assim, acaba por ser uma obra mais centrada no próprio autor, revelando como se relacionava com o pai e como iniciou a sua carreira.



Conclusão
Factory Summers é uma leitura interessante e diria, até, mais coesa em termos narrativos do que outras obras do autor. Estes trabalhos de verão, tão típicos noutros países, são uma boa forma de ganhar experiência com interacções profissionais, mas também, de estimular para a progressão dos estudos (como o próprio autor comenta). Ao centrar a narrativa nesta experiência, Guy acaba, também, por explorar alguns aspectos mais familiares, destacando-se uma perspectiva mais pessoal que costuma ser mais neutra noutros livros. O resultado é bom!

