Este ano voltou a surpreender no número de leituras, com 320 livros lidos (podem consultar a lista completa no Goodreads). As tendências dos últimos anos mantêm-se, com 270 leituras destas 320 sendo BD. Entre a BD (cuja lista de melhores leituras será lançada à parte) continuei algumas séries de Mangá e explorei algumas novas, sendo um género no qual tenho encontrado várias coisas interessantes. Para além do que é lançado em Portugal continuei a explorar o francobelga e voltei a investir nalgumas séries da Image que entretanto me chamaram à atenção.

Na componente não BD, este ano não explorei tanto as narrativas de autoria nacional, mas, fruto dos lançamentos nacionais (proporcionados por novas editoras no nosso mercado), descobri a fantasia confortável (cozy, em inglês) e o novo género Romantasy (Fantasia com componente de romance). Se o primeiro até pode fazer o meu género de vez em quando, o Romantasy não é tão linear com histórias mais fantásticas a serem interessantes, e narrativas mais românticas (onde a fantasia não tem papel importante) a desiludirem-me.

Ficção Científica

As melhores leituras

Demorei algum tempo a fazer as pazes com a primeira leitura de ficção científica do ano, e a conseguir considerá-lo como um dos melhores de 2024. In Ascension, de Martin Maccinnes foi escolhido para a lista longa de nomeados do Booker Prize, venceu o prémio de Livro do Ano da Blackwell’s, e o prémio Arthur C. Clarke. Não sendo um autor tradicionalmente do género ficção científica, pegou num tema complexo, de primeiro contacto, e desenvolveu-o de forma surpreendente. A narrativa acompanha uma personagem solitária com complicadas relações familiares. Não é um livro de execução tradicional, e é no final que tudo encaixa.

Bastante diferente, The Terraformers de Annalee Newitz, centra-se num dos temas de ficção científica pelo qual tenho mais agrado – a transformação de um planeta para apresentar características semelhantes à da Terra e, dessa forma, ser capaz de abrir vida terrestre. Trata-se de um processo que decorre ao longo de séculos e que é aqui apresentado em três fases distintas, cada uma tendo uma diferente personagem principal. Paralelamente, há a destacar a representação das grandes empresas que controlam os novos planetas e como os comuns se unem para reivindicar direitos.

Sistemas em Estado Crítico de Martha Wells foi lançado em Portugal pela Relógio d’Água, e, não sendo um livro muito inovador, cumpriu a expectativa de diversão, centrando-se num andróide que, de alguma forma foi capaz de hackear a sua ligação ao sistema central, desenvolvendo raciocínios mais privados. Parte mecânica e parte orgânica, este andróide passa os tempos livres a ver novelas televisivas, demonstrando interesse nas personagens e nos enredos. A missão onde se encontra parece uma simples e pacífica exploração planetária – até ao momento em que são sabotados e este andróide terá um papel fundamental na sobrevivência dos seus companheiros humanos.

As menções honrosas

E se…. A Guerra Civil Americana tivesse terminado de forma diferente, mantendo-se a escravidão nos estados do Sul? Em Underground Airlines, Ben H. Winters explora esta realidade alternativa, centrando-se na perspectiva de Victor, um ex-escravo treinado para perseguir escravos fugidos. A perspectiva é visceral e incómoda, podendo-se estabelecer alguns paralelismos com a realidade actual – a escravidão que não é vista não é sentida, e desde que esteja bem escondida consomem-se sem culpa os produtos dessa realidade.

Lançada em Portugal pela Desrotina, a trilogia Ceifador de Neal Shusterman, sendo YA, surpreendeu pelo conceito e pelo seu desenvolvimento. Na realidade futurista aqui apresentada, os seres humanos venceram a fome, a doença e a velhice, recorrendo a nanobots e à IA. Aliás, quase todos os aspectos são controlados por uma IA justa, transparente e igualitária. Digo quase, porque a morte, apesar de poder ser vencida com os avanços tecnológicos continua a existir como medida de controlo populacional, ainda existe, perpetuada oficialmente por um grupo de humanos denominados ceifadores, segundo um conjunto de regras. A realidade aqui definida está em risco quando um grupo de ceifadores resolve agir para além das regras.

Como última menção honrosa, eis um dos livros mais estranhos que li este ano, It lasts forever and then it’s over, onde assistimos a um apocalipse de zombies, pela perspectiva de uma zombie. A narrativa pega num conceito já muito explorado, conseguindo dar-lhe uma nova perspectiva, apresentando momentos grotescos, humor negro e introspecções sobre identidade, memória e necessidade.

Fantasia

As melhores leituras

Apesar das polémicas sobre a autoria, I’m Afraid You’ve Got Dragons é uma narrativa com todos os elementos típicos das fantasias medievais tradicionais, com dragões e cavaleiros, mas com twists engraçados. O príncipe não quer partir em aventuras e prefere ficar a descansar, o caçador de dragões acha-os demasiado fofinhos e não os quer matar, a princesa prefere meter as mãos à obra, ao invés de ficar a costurar. E, se dragões grandes são uma chatice, os dragões pequenos são uma praga nos castelos, piores que baratas que se metem em todo o lado. Mas tolos e coloridos.

Já começa a ser tradição ter algum livro de T. Kingfisher nas melhores leituras. Neste caso trata-se de A Sorceress comes to call, um livro que aproveita alguns elementos do conto clássico dos irmãos Grimm (A Rapariga dos Gansos) mas que lhe dá contornos bastante diferentes. A história possui elementos negros (como é habitual na autora) mas consegue balanceá-los com elementos mais positivos ou acções concretas que resolvem a narrativa de forma construtiva, resultando numa leitura envolvente mas agridoce.

Uma das descobertas mais divertidas deste ano foi Emily Wilde, mais concretamente, Emily Wilde’s Encyclopaedia of Faeries de Heather Fawcett. Apesar de ter uma pequena parte de romance (muito leve), a história centra-se sobretudo numa académica que pretende construir uma enciclopédia. Para tal, viaja para locais inóspitos, procurando criaturas mágicas, interagindo com elas e desenvolvendo as suas notas. Mas esta académica compreende muito pouco das subtilezas sociais!

Menções honrosas

Nas menções honrosas encontramos três livros de fantasia confortável, lançados em Portugal. Este nível de fofura e de positividade nem sempre é para mim, mas diria que apenas um destes três é uma overdose – Café das Lendas. A história centra-se numa Orc que está farta de combates e pilhagens, resolvendo criar o seu próprio café onde lança uma beberagem com o mesmo nome. O café atrai vários curiosos, resultando em amizades que ajudam a fortalecer o negócio. Claro que a meio o passado da Orc vai ter impacto na actividade, mas nada que não se resolva claro.

A Casa no Mar Cerúleo é um pouco menos linear em fofura, iniciando-se com um funcionário preso no seu quotidiano bolorento. Este funcionário inspecciona orfanatos de crianças especiais, decidindo se possuem as condições necessárias para o seu crescimento e proteção. A sua constância leva a que seja chamado a inspeccionar mais uma localização, mas desta vez com uma longa estadia numa casa peculiar. A narrativa estará coberta de personagens especiais e peculiares, crianças com poderes especiais e traumas psicológicos que as tornam únicas e cativantes.

Por Baixo da Porta Sussurrante, do mesmo autor explora a morte e a passagem das almas para outro local. Mas nem todas as almas se encontram preparadas para passar, como será o caso de Wallace, um advogado viciado em trabalho que pouco construiu ao longo da sua vida, não deixando ninguém que o lamente. Enquanto não está preparado, Wallace ficará no limbo, vivendo no café no barqueiro, rodeado de personagens amigáveis, café e bolinhos. Apesar da descrição, a narrativa explora questões associadas à morte, ao luto, à perda e à memória, tendo momentos mais introspectivos.

Outros

A série Blackwater de Michael McDowell mistura um enredo novelesco com sobrenatural, resultando numa série viciante, um pageturner carregado de intrigas familiares e apimentado por mortes misteriosas às mãos de um monstro semi conhecido. Tudo começa com uma cheia que transforma a cidade num lago imenso. Perdem-se casas e negócios. No meio da cheia, descobre-se, no hotel, uma jovem, Elinor, que terá perdido os papéis no desastre e que acaba por casar com um dos jovens mais promissores da cidade. Elinor não é, no entanto, uma jovem submissa, o que causará o repúdio da sua nova sogra, e o início de várias tramas familiares.

Enquanto o fim não vem, de Mafalda Santos, até poderia ser colocado na fantasia (ao misturar elementos surreais com uma narrativa mais concreta) mas fazê-lo iria provavelmente levar ao engano de alguns leitores que colocam na fantasia apenas as obras mais puras ao género. Hoje achei que o devia colocar nos outros, apesar de ser nitidamente ficção especulativa. Bem, ultrapassando os rótulos, trata-se de um thriller com elementos surreais, uma meta-ficção onde a autora joga com os limites de cada mundo ficcional. É um page turner emocionante e original, muito recomendável.

Nesta categoria não podia faltar Impostora, de Kuang, um dos melhores livros que li este ano. A leitura consegue ser cativante – cria uma personagem credível, June, mas odiável, ao mesmo tempo que tece críticas às redes sociais e ao mundo editorial. June é uma escritora medíocre que rouba o manuscrito de uma escritora de sucesso falecida, publicando-o em seu nome. Mas June é branca. E a escritora de quem roubou o manuscrito é asiática, tendo o livro um tema sensível para a comunidade chinesa. A partir do lançamento do livro, June toma uma série de más decisões, e assistimos lentamente a um desastre de grandes proporções.

Não ficção

Entrevistam-se muitos autores e muitos desenhadores, mas poucos editores. Neste caso, a melhor leitura de não ficção deste ano é o livro Muitos Anos a Virar Páginas, em que Hugo Pinto reúne várias entrevistas feitas a editores de banda desenhada em Portugal. Tal como os estilos dos editores vão variando, também a perspectiva que apresentam vai sendo muito diferente, havendo todo o tipo de abordagem em relação à publicação.