Primeiro número da mítica colecção de SF Masterworks da Gollancz, The Forever War é um exemplo típico (ou O exemplo) de ficção científica bélica, envolvendo alienígenas, como forma de, num contexto abstracto, criticar a espécie humana e a motivação das guerras que desenvolve.

Se a história começa por nos apresentar uma espécie hostil que terá sido responsável pelo desaparecimento de algumas naves terrestres, cedo apanhamos alguns detalhes que nos fazem questionar a verdadeira origem da guerra e a forma como esta está a ser conduzida. Se a guerra pode ser vista, do ponto de vista económico, como uma força impulsionadora de algumas indústrias (e avanços tecnológicos) verdade é que, pode, também, ser usada como forma de exercer pressão nas sociedades, para apertar os cordões à bolsa ou implementar limitações na liberdade. Aliás, é com o conceito de inimigo comum, vigilante e poderoso que se justificam algumas das mais famosas distopias como 1984 ou Kallocaína.

Aqui, de forma bastante circunstancial, vamos assistir a algo semelhante. Neste caso, aproveitando, não só a guerra mas, também o crescimento absurdo da população humana, todos os bens são racionados, e a maioria das pessoas não possui um emprego. Os restantes conseguem algum dinheiro através da substituição ilegal dos verdadeiros trabalhadores por % bastante menores – na prática os detentores do emprego podem nunca chegar a trabalhar e ainda ganham o suficiente para se manterem.

Mas divago. Esta percepção crítica da sociedade em que alguns se mantém à margem em quintas onde podem viver em paz e produzem os mantimentos para os restantes, que permanecem em cidades decadentes carregadas de violência, é apenas uma pequena parte da história mas que terá um efeito determinante em fazer regressar à guerra, soldados que já estavam fartos de morte e destruição.

One thing we didn’t have to worry about in this war was enemy agents. With a good coat of paint, a Tauran might be able to disguise himself as an ambulatory mushroom. Bound to raise suspicions.

Infelizmente, neste caso, o inimigo existe. Ou é materializado sob a forma de alienígenas, os Tauran. As batalhas decorrem em condições extremas e várias expedições são enviadas para os destruir. Seguimos Mandella, um soldado que consegue sobreviver às duras condições de treino onde padece a maior parte dos colegas, e que faz parte da primeira missão em que se consegue capturar um Tauran. De missão em missão percebe que está cada vez mais isolado e que, apesar de pouco ter envelhecido, a vida passa na Terra. Depois de uma missão catastrófica em que resta ele e uma companheira, tentam regressar às suas respectivas famílias, descobrindo que a sociedade está caótica e que já não têm lugar entre os civis. Qualquer semelhança com a realidade dos soldados que retornam da guerra não é uma coincidência.

Depois de alguns episódios violentos e disruptivos ambos resolvem regressar às missões. Demasiado distantes do inimigo, as viagens provocam discrepâncias temporais na vida dos soldados. Mandella vê-se, assim, no ano de 2458, isolado da sua parceira de guerra e, entretanto, companheira, como um homem adulto incapaz de se adaptar às novidades sociais. É que a homossexualidade passou a ser imposta como forma de controlar a natalidade (que apenas existe por meios artificiais) e Mandella é, na prática, o ser humano com comportamento sexual desviante, visto como uma raridade estranha.

A par com a natalidade artificial existe a selecção e uniformização genética, eliminando diferenças raciais e doenças – ainda que esta selecção possa não ser assim tão vantajosa como poderá parecer à primeira vista. Se ambas podem ser defendidas positivamente como tendo em vista a eliminação do racismo e de efeitos genéticos nefastos (pontos expressos durante a narrativa), a verdade é que, do ponto de vista biológico, a eliminação da variedade, a par com a gestação exterior, pode vir a ter duras consequências futuras pela dependência da tecnologia (algo, também, indiciado levemente ao longo da história).

Back in the twentieh century, they had established to everybody’s satisfaction that “I was just following orders” was an inadequate excuse for inhuman conduct… but what can you do when the orders come from deep down in that puppet master of the unconscious?

(…) I was disgusted with the human race, disgusted with the army and horrified at the prospect of living with myself for another century or so… Well, there was always brainwipe.

Numa sociedade tecnologicamente avançada, como convencer soldados inteligentes a lutar? A ideia de um inimigo não é suficiente. Mesmo tratando-se de seres alienígenas, são humanóides e podem causar empatia. Nada melhor do que uma campanha para distinguir o outro, com recurso a mensagens subliminares onde se relata a violência que terá perpetuado, como forma de incitar respostas selvagens. Mesmo que o cérebro consciente do soldado perceba que estes relatos são impossíveis e irracionais, o que lhe provoca dissonância emocional.

Estes temas não são endereçados directamente. Joe Haldeman usa a vida de Mandella, implementando vários elementos paralelos com os que lutaram no Vietnam, para fazer uma crítica intemporal às motivações políticas e económicas por detrás das guerras, bem como ao condicionamento dos soldados, o valor das suas vidas e o retorno a uma vida civil. Tudo isto enquanto nos apresenta uma narrativa com elementos de tecnologia avançada e se questiona sobre a sua utilização. E é por todas estas razões que este é, sem dúvida, um grande clássico do género.

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