Conhecido leitor e escritor, Alberto Manguel consegue dissertar longamente sobre bibliotecas. Já o tinha provado em Biblioteca à noite ou Dicionário dos Lugares Imaginários (e em outros livros que decerto desconheço). Se em Biblioteca à noite disserta sobre a sua própria biblioteca, situada num local privilegiado e propícia a deambulações nocturnas, aqui fala sobre o empacotar dessa mesma biblioteca sem saber quando irá, novamente, olhar estes livros.
O valor de uma biblioteca é relativo. Se há alguns que a valorizam consoante o número de volumes raros, Alberto Manguel tem outra perspectiva sobre a sua própria biblioteca:
Na minha biblioteca, os Pengiun novos e brilhantes viam-se alegremente ao lado de patriarcas com ar grave encadernados a pele. Os livros mais valiosos para mim eram aqueles a que eu fazia associações pessoais, como um dos primeiros que li, uma edição da década de 1930 dos Contos de Grimm impressa em caracteres góticos sombrios.
O autor passa então a descrever as suas próprias memórias sobre as bibliotecas pessoais que teve, começando com a de livros infantis que a ama lhe lia, e continuando, vida fora, entre locais distintos do globo, a construir bibliotecas que espelham as transformações pelas quais passam os seus próprios donos, mas guardando uma memória de quem os leitores foram em dado momento. No meio existe um relato simultaneamente fascinante e horrendo de uma biblioteca construído na base da guilhotina :
Antes de regressar à Argentina, o meu pai pediu à sua secretária que comprasse livros suficientes para encher as prateleiras da biblioteca da nossa casa nova; ela, obedientemente, encomendou montões de volumes de um alfarrabista de Buenos Aires mas, quando começou a arrumá-los nas prateleiras, verificou que muitos não cabiam. Determinada, mandou guilhotiná-los à medida e, depois, encaderná-los em couro verde escuro, cor que, combinada com o carvalho escuro, dava ao lugar uma atmosfera de clareira florestal.
A biblioteca reflecte o seu dono e guarda memórias imperdíveis. Daí que o autor diga que goste das bibliotecas públicas (pelas possibilidades que guardam) mas, no final, prefira a sua, até porque:
Como um saqueador ganancioso, quero que os livros que leio sejam meus.
Entre os pesadelos de Stevenson (que deram origem às mais fantásticas histórias do autor, como referido, também, na banda desenhada sobre Stevenson), o autor disserta sobre D. Quixote (e a empatia que sentiu pela personagem quando esta perde a sua biblioteca e fica uma semana sem proferir palavra) ou sobre outras personagens e autores em que as bibliotecas têm o seu próprio lugar. Não podem, claro, faltar as inúmeras referências a Borges (que o autor conheceu) e a sua volátil relação com as bibliotecas (já que os livros que tinham eram dados a visitas).
Embalando a minha biblioteca é daqueles livros que comecei a ler numa livraria e que não consegui largar até ao final, interrompendo outros que tinha pegado antes – o autor demonstra um elevado conhecimento literário e consegue transmitir, na sua escrita, a paixão dos livros.
Embalando a minha biblioteca foi publicado pela Tinta da China.
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