Marcha para a Morte é bastante diferente de outro livro do autor, Nonnonba – mas ambos possuem elementos verídicos e biográficos. Se, em Nonnonba, o autor se remete à infância numa zona rural japonesa onde as criaturas sobrenaturais fazem parte do quotidiano, conferindo uma aura de fantástico a tudo o que rodeia as personagens, em Marcha para a Morte acompanhamos uma companhia de infantaria na Segunda Guerra Mundial, uma companhia da qual o autor fez parte.
Misturando elementos históricos com ficcionais (a parte final da história afasta-se dos verdadeiros acontecimentos) Marcha para a Morte consegue o feito de intercalar mortes com episódios cómicos pelo seu absurdo – os soldados são tratados como carne para canhão, elementos sem grande valor, e as decisões militares reflectem esta perspectiva.
Na prática é esta falta de consideração pela vida do outro que acaba por fazer com que más decisões militares sejam tomadas, levando os soldados para a carnificina sem que existam sérias razões estratégicas e colocando a vontade de morrer com honra de um graduado como elemento principal de decisão.
Apesar do ambiente claustrifóbico (a história passa-se numa ilha quase paradisíaca, mas o tipo de terreno proporciona algumas surpresas desagradáveis, seja sob a forma de tiros perdidos, seja sob a forma de predadores naturais) e das circunstâncias pesadas que levam os soldados a este local, o autor consegue intercalar as sucessivas desgraças com elementos caricatos que aligeiram o ambiente – seja o episódio de uma companhia inteira visitar uma carrinha de prostitutas antes de partirem, seja a forma que alguns soldados arranjam para terem o seu fornecimento pessoal de mantimentos.
Aqui os soldados são as principais personagens, o seu quotidiano desgraçado entre as responsabilidades que lhes cabem (como lavar a roupa interior dos oficiais) e a morte à espreita. Há quem morra engolido por um crocodilo ou a pescar um peixe, há quem desapareça em circunstâncias nublosas – e tudo isto antes de enfrentarem qualquer inimigo humano.
Os mal tratos são comuns. Entre murros e chapadas dos oficiais a comida escasseia e os soldados sentem-se duplamente perdidos – perdidos porque não desejam combater nem compreendem o que os coloca naquele local, perdidos porque sentem-se alvo de escárnio e desconsideração, perdidos porque as ordens mudam constantemente e eles, enquanto jovens, não possuem perspectiva alguma sobre os próximos momentos.
Marcha para a Morte é um livro sobre a Guerra. Mas acima de tudo, um livro que nos mostra o quão absurda é a guerra, desperdiçando a vida dos soldados por estratégias mal definidas, levando adolescentes imberbes a enfrentar outros imberbes adolescentes, uma constante falta de consideração pela vida – e para quê?
Marcha para a Morte foi publicado em Portugal pela Devir.
Outros livros do autor
Muito bem Cristina, acho que como descrição é boa mas falta-lhe alma, explicares o que é bom, ou muito bom, ou menos bom, no livro. Valeria a pena acrescentar que, salvo erro, pois escrevo de memória, a mesma história tem outras duas versões: a do 3º vol. de Showa, a History of Japan (Drawn & Quarterly, a melhor editora de BD independente da América) e a do 2º vol. de “La vie de Mizuki”, da Cornélius, uma das melhores, senão a melhor, editora de BD independente de França (e a que melhor trata o mangá de autor!). Já agora, a BD foi prix du patrimoine em Angoulême em 2009.
E a edição da Devir, é boa? E a tradução? A capa tem badanas, para proteger o livro? E quanto custa? e como compara, em termos de preço com a edição francesa?
Bom dia! Obrigada pelo parecer!
Em relação aos preços e comparação entre edições, só tendo as respectivas poderia fazer uma comparação justa. Estar a comparar apenas com base no preço, sem perceber quais as diferenças efectivas (cuidado na capa, qualidade da página, etc) não tem, a meu ver, valor acrescentado.