
Enquanto que o primeiro volume dispôs as cartas na mesa e nos apresentou o enigma que constituía o celeiro negro, mostrando-nos as personagens e deixando pistas sobre o que ligaria as diferentes linhas narrativas, este segundo aumenta o ritmo e alterna mais rapidamente entre diferentes cenários, adensando o mistério. Jeff Lemire demonstra que as suas capacidades narrativas vão para além dos super heróis, da ficção científica e dos cenários inóspitos do Canadá, adaptando o seu estilo ao género do horror.

Jeff Lemire destaca-se pela sua capacidade em desenvolver personagens e em ligar todos os elementos ao construir uma mitologia intensa que se vai revelando passo a passo. Ainda que esta série seja num tom que lhe é pouco usual (de horror, ao invés de ficção científica ou ao invés de ficção realista) o narrador usa esses mesmos elementos para tecer uma história de suspense, onde os elementos mitológicos são usados para nos apresentar um abismo eminente! Este abismo eminente vai servir, simultaneamente como força narrativa e elemento de suspense.

Esta força mitológica que se expressa na ligação de todos os elementos, que lhe é tão característica, ajuda na percepção de uma coesão narrativa em quase todas as histórias de Jeff Lemire. A isto, junta-se uma fórmula para apresentação de personagens que cria personalidades com dimensão e nos faz sentir empatia para com os seus problemas. Como? Mostrando flashbacks, pequenos momentos no passado que justificam reacções e que deixam pequenos mistérios adicionais no ar.

Em Gideon Falls a narrativa vai oscilando, principalmente entre duas personagens: um rapaz que não se recorda de onde veio e que é um doente psiquiátrico, e um padre, assombrado pela culpa de um momento no passado. O primeiro volume serve-nos como introdução, mostrando um rapaz que é acompanhada por uma psiquiatra. Também ela se vai aperceber de estranhos fenómenos (sobrenaturais?). No caso do padre, é este momento no passado que lhe dá a imperfeição necessária para se enquadrar nos acontecimentos da sua nova paróquia. Introduzidas as personagens, este segundo volume alterna rapidamente entre as linhas narrativas, posicionando alguns elementos do puzzle, mas mostrando que ainda nos faltam alguns dados para termos a vista global.

Ainda que as duas personagens principais se encontrem distantes, percebemos que a raíz de ambas as componentes narrativas está na pequena vila do interior, carregada de segredos e mistérios. A perspectiva de alguém novo nesta vila permite a apresentação dos habitantes, mostrando-se que os segredos que carregam podem ajudar a perceber o mistério do Celeiro Negro – a normalidade não existe, nem para as personagens mais banais, mesmo quando o tentam esconder.

No final, percebemos que mesmo as acções que parecem simplesmente uma concretização das normais regras sociais parecem esconder algo mais… ou será que fomos contaminados pela paranóia que rodeia algumas personagens? O que é o Celeiro? Qual a sua origem? Porque parece estar em todo o lado e em lado nenhum e porque parece levar à loucura todos aqueles a que se mostra?

Gideon Falls é um mistério! Neste caso de horror – um mistério em que as peças já se encontram dispostas e em que acompanhamos as personagens por uma degradação física e mental própria dos que são confrontados com o horror e com o sobrenatural. Mas será loucura, criação de ilusão, ou capacidade de perceber que alguma coisa impensável é real? Entre uma premissa bem explorada e um excelente desenvolvimento de personagens, Gideon Falls está a tornar-se numa das minhas favoritas séries de banda desenhada de horror!
Gideon Falls é publicada em Portugal pela G Floy.