Este foi o primeiro álbum de BD de Miguel Rocha, premiado em 1999 com o Prémio Especial Revelação no Festival da Amadora. Trata-se de uma história que nos leva salazarismo, pegando nos seus elementos mais típicos para lhe tecer uma paródia ácida.

A história

Uma rapariga muda é recolhida pelo padre que lhe encontra trabalho e guarida na leitaria. A jovem, formosa e dotada de capacidades culinárias, rapidamente se vê alvo de atenções indesejadas, neste caso, de um defensor dos bons costumes que é, na realidade, um bufo para as autoridades. Este homem, sob a falácia dos valores religiosos e familiares, pretende recolher a jovem sob sua alçada. Estas atenções rapidamente são reparadas pela sua esposa, levando a consequências mirabolantes.

Crítica

A história intercala as cartas do tal bufo, com episódios em torno da jovem muda. As cartas encontram-se carregadas de referências ideológicas típicas do Estado Novo (Deus, Pátria e Família), ocultando as verdadeiras intenções pervertidas deste homenzinho mesquinho e cínico.

Toda a história é uma referência ao uso dos ideais do Estado Novo para servir interesses privados. Este homem, que se esconde por detrás do discurso de defensor de bons costumes, fala de religião e pecado, levantando suspeitas sob inocentes e denunciando quem lhe dá jeito para atingir os seus objectivos.

O desenho acompanha a narrativa, quer através da caracterização das personagens (num tom de caricatura), quer através do aspecto cromático cinzento e pesado. O fundo da página é escuro, bem como o fundo dos quadrados, que contrastam com personagens acizentadas de contornos difusos.

Conclusão

Queixava-me aqui eu há uns tempos em relação à falta de ficção de autoria portuguesa que nos remeta para o período da Ditadura! Mas eis, afinal, um bom exemplo de tal ficção que consegue pegar no ambiente do Estado Novo e subvertê-lo de forma irónica com uma tal dose de humor ácido que se torna genial.

Realça-se o cinismo de se usarem os valores religiosos e familiares com fervor, bem como a ironia das acções dos mais pios que revelam, no seu discurso de homem de bem, as perversões que são as suas verdadeiras motivações.