Com o lançamento deste quarto volume da série Spaghetti Bros, a Arte de Autor publica a totalidade dos 16 tomos em Portugal, menos de três anos após o lançamento do primeiro volume. Para quem conhece a dupla Trillo e Mandrafina, a combinação de sexualidade e violência não é invulgar. Já noutras séries ou livros a dupla nos presenteia com uma fórmula semelhante. Ainda assim, esta série consegue inovar, alargando-se ao longo dos vários números enquanto mantém o interesse do leitor.

Cada volume apresenta uma sucessão de episódios que ocupam, cada um, 8 páginas. Cada episódio apresenta um título próprio, um problema e um desfecho. Este problema, proveniente de uma introspecção ou de um conflito, é resolvido de forma pouco tradicional, revelando de forma cortante, o espírito das personagens na qual se centra. Os detalhes seguintes podem conter spoilers para quem não leu os volumes anteriores.

Este volume começa por se centrar numa personagem pouco habitual – um jovem rapaz que faz parte da família dos Centobucchi, que, não conhecendo outras famílias, não se tinha apercebido quão peculiar era a sua. Começa por escrever um diário no qual expõe os segredos dos seus tios, enquanto apresenta a imagem da sua mãe como uma mulher esforçada e angélica. Não sabe, claro, que esta é uma assassina a soldo que usa os seus dotes físicos para se aproximar dos seus alvos.

Esta família parece apresentar todos os clichés possíveis das famílias italianas, aos quais se junta uma perversidade sem igual que se materializa em constante depravação e violência. Trata-se de uma família pobre que, tendo-se mudado para os Estados Unidos da América tem de recorrer a meios variados para se sustentar e erguer. O irmão mais velho é o que tem a ocupação mais destacável, como chefe de uma pequena máfia. O relacionamento com as mulheres é complicado, procurando, por um lado, a encarnação da imagem santa e pura que tem da mãe, por outro, uma relação carnal. Esta dualidade faz com que nem as irmãs estejam a salvo da sua obsessão.

Por oposição, um dos irmãos é um padre. Tal como o irmão Amerigo, possui uma religiosidade obsessiva, por vezes, oposta aos comportamentos que envolvem a igreja. Mas neste caso, o padre usa a sua posição para se impor e tentar levar os irmãos por um caminho mais correcto, mesmo que os meios não o sejam. Nem que para isso castigue sucessivamente Amerigo, até pelo que ele não fez.

Já as irmãs são uma dupla curiosa. Apesar do papel que tipicamente se atribui às mulheres, ambas acabam por se afastar da imagem de mulher submissa e acanhada. Uma, estrela do cinema mudo, vê-se, com a invenção do audio, a aplicar os dotes físicos em filmes mais carnais. Já a outra, uma aparente viúva triste, sai de noite para assassinar pessoas a troco de uma recompensa.

Resta o irmão polícia. Apesar da ocupação aparentemente mais honesta, este homem acaba por ser a oposição a Amerigo em termos de atitude. Medroso, acaba por não enfrentar os criminosos com quem se cruza e, apesar de todas as boas intenções falhadas, acaba por ser amante da cunhada.

O cruzamento de todas estas personalidades, agudizadas por uma caracterização exagerada e quase cómica, originam uma combinação de brutalidade seca e perversão, resultado que podemos ver noutros textos da dupla de autores. Neste caso, a cadência faz-se nas tal 8 páginas por episódio, garantindo uma entrega contínua de momentos alucinados ou mirabolantes. As boas intenções têm resultados negativos e todos os planos saem falhados ou com resultados inesperados.

Os irmãos opõem-se e balanceiam-se, unem-se e odeiam-se, fascinam-se e perseguem-se. Mas enquanto que noutras famílias estes verbos podem ter como resultado interacções saudáveis, aqui são extremadas. Não existem meios termos. O amor de irmão pode querer tornar-se mais físico, o desacordo pode tomar a forma de uma arma. A reacção é abrupta e absoluta. Nem sempre medindo consequências.

E ainda assim, existe uma vertente quase ingénua – o filho que não vê o lado assassino da mãe, o marido que não vê a traição da esposa, a tia que pretende manter a aparente inocência do sobrinho. Esta ingenuidade pontual serve também de contraste à narrativa, mostrando como até estas personagens precisam de acreditar em algo bom para sobreviver.

Conclusão

O cruzamento de violência e sexualidade num meio decadente e decrépito vende e agarra o leitor.Entre revelações, reviravoltas mirabolantes, confrontações e obscenidades, Spaghetti Bros é uma série brutal, adequada a quem gosta das narrativas da dupla de autores, ou de quem gostou de Torpedo.