A inclusão de figuras mitológicas gregas ou romanas em romances de fantasia não é uma ideia nova – assim rapidamente, recordo-me de Madeleine Miller com Galatea, The Song of Achilles ou Circe, ou de Jennifer Saint com Ariadne. Mas, em todos estes exemplos, somos levados ao tempo das civilizações gregas ou romanas para experienciar uma versão mais próxima dos famosos contos mitológicos.

No caso de Um Toque de Escuridão a história vai decorrer em pleno século XXI (ideia que parece ter sido também já explorada em Lore Olympus), num mundo semelhante ao nosso em termos tecnológicos e sociedade, a não ser por um detalhe – os deuses acordaram e têm uma existência que influencia os humanos, dando-se a conhecer e envolvendo-se enquanto divindades que são adoradas como personalidades VIP. Um dos elementos curiosos, é que estes Deuses não só interagem com os humanos, como possuem negócios terrestres, como discotecas, restaurantes ou terrenos.

Perséfone, mantida escondida dos restantes Deuses desde o nascimento, liberta-se finalmente da mãe e convence-a a estudar entre os humanos, disfarçada. Com aparência e comportamentos de jovem adulta, Perséfone estuda afincadamente jornalismo e vai ter finalmente o seu primeiro trabalho, como estagiária. Para comemorar irá com uma amiga à discoteca de Hades, esperando passar despercebida. Não é o caso e, tal como alguns humanos, acaba a fazer uma aposta com Hades que ditará conhecer os seus domínios e envolver-se com este deus.

A história segue as linhas gerais de um romance proibido. Perséfone sente-se atraída por Hades mas sabe que a mãe nunca o irá permitir. Determinada a dar a conhecer ao público a parte mais negra de Hades nos jornais, investiga as suas acções e acaba por descobrir que nem tudo o que parece maléfico o é, percebendo que existe uma outra faceta do deus da morte. A atracção é mútua e levará a encontros mais íntimos que vão ser aqui descritos em episódios eróticos.

A premissa de Um toque de escuridão é curiosa e poderia originar um mundo interessante. Existem efectivamente detalhes curiosos que resultam da ideia central, mas a maioria da narrativa desenvolve-se entre conflitos e ansiedades, com atracções não verbalizadas, desentendimentos (e claro, posteriores entendimentos) e curtas reflexões sobre sentimentos e pensamentos. Apesar da componente divina, Perséfone é uma jovem que pretende sair da sombra da mãe e cujas circunstâncias irão levar a que enfrente a figura materna. Nada que não seja um paralelismo com a situação de várias jovens totalmente humanas.

Neste contexto, a componente divina permite que os acessos de raiva se expressem em poderes, com teletransporte, transformação de pessoas em plantas, ou força descomunal. Existem cenários impossíveis no reino dos mortes, palácios gigantescos e ilusões fabulosas.

Em termos de romance, Um toque de escuridão segue todos os clichés do género. As duas personagens principais sentem atração imediata, mas evitam envolver-se ainda que acabem a encontrar-se em todos os capítulos. Existe a percepção inicial de que a personagem masculina é um vilão, só para se descobrir que afinal tem um lado sensível e que as acções negativas afinal até são boas acções. A personagem feminina é um pouco desnorteada e insegura, enquanto que a personagem masculina é poderosa e seguro, até manipulador.

Não sendo uma leitura fabulosa, Um toque de escuridão possui uma escrita simples e directa, o que facilita a progressão ao longo do livro. Por esse motivo, a leitura flui, movimentando as personagens rapidamente, entre conflitos externos e internos, diálogos e problemas existenciais. Nem sempre as acções das personagens são reflectidas (ou coerentes) e a componente divina é bastante contida (e até inconsequente). Ainda assim, é uma leitura recomendável para quem pretende ler um romance leve, com alguns elementos fantásticos que o distinguem no género.