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De Miguelanxo Prado li Fragmentos da enciclopédia délfica e Crónicas incongruentes,
ambos compostos por episódios independentes, com personagens diferentes que se vão relacionando em propósito. Ardalén, do mesmo autor, difere desta estrutura e apresenta-nos uma história contínua que interrompe para nos apresentar artigos de teor sério e teórico onde nos explica o funcionamento da memória, ou a diversidade das baleias.

A história começa quando Sabela se dirige a uma aldeia quase parada no tempo, em busca de pistas para o que terá acontecido ao avô, desaparecido há décadas. Na taberna indicam-lhe a casa de um velhote que, não sendo decerto o avô, também terá estado em Cuba. Esperançada, Sabela encontra um idoso perdido num entrançado de memórias, muitas que já não são duas, incapaz de discernir entre o real e a projecção dessas mesmas memórias.

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Sem desistir de encontrar algo, Sabela dirige-se todos os dias a casa de Fidel. Entre os dois cresce uma amizade e cumplicidade que despertam conversas maldosas em que se questionam os verdadeiros motivos daqueles encontros – nada que seja anormal numa aldeia carregada de gente desocupada mas que, aqui, vai tomar proporções maiores.

Mas nem sempre as memórias de Fidel são fidedignas e quando Sabela descobre que afinal o velhote nunca esteve embarcado, elevam-se as dúvidas sob os episódios exóticos que conta como sendo dele próprio – como pode um homem que nunca saiu da própria terra definir-se como um marinheiro? Até onde somos definidos pelas nossas memórias?

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Esta é a questão que nos é colocada recorrentemente, questão que é expressa, também, no seguimento da dissertação com informação teórica sobre o funcionamento da memória, numa das muitas paragens que Miguelanxo Prado faz para fornecer um complemento mais sério à história.

Não diferenciando, entre as memórias, o que foi vivido, o que foi lido ou ouvido, de que forma nos definimos e como nos definem? Esta incerteza dá margem ao autor para criar imagens impossíveis, visões de figuras inexistentes ou há muito ausentes numa série de episódios fantásticos onde o cérebro confuso se liberta de forma imaginativa.

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À superfícia poderia dizer-se que se trata de uma história simples, quase linear mas, para além da empatia que somos levados a sentir para com as personagens, explora questões mais sérias e profundas que dão, a Ardalén, uma aura de excelência sem distanciar ou tornar a obra pesada. Uma história excepcional que é enriquecida por alguns artigos mais formais sobre alguns dos temas referidos.

Em Portugal Ardalén foi publicado pela Asa.