No final do século XIX o interior americano era um local carregado de misérias, onde a doença e os muitos acidentes marcam a vida de uma maneira irreversível. Órfãos que se vêem arrastados para uma nova realidade, desprotegida, crianças abandonadas por terem origem em amores impossíveis e bandidos que, caindo no mundo o crime por uma sucessão de episódios, conseguem revelar mais humanidade que os supostos justiceiros, cegos pelo fanatismo.
Em época de doença as crianças sempre foram o elo mais fraco. Dependentes da protecção dos adultos, desprovidas de meios e de autoridade, são muitas vezes o resultado de amores indevidos e acabam por ser abandonadas ou maltratadas. É o caso de um rapaz surdo-mudo que, depois de ter sido abandonado pela mãe, é adoptado, em bebé, por um casal. Não pensem que o casal tinha boas intenções – a vivência do rapaz é marcada por trabalhos pesados e maus tratos. Mas ao menos tinha um tecto.
A história começa com o relato de Calamity, relato este sob a forma de carta para a filha que terá abandonado por ter condições para a cuidar. Transportando uma série de órfãos numa noite escura, encontra-se com J.B. Bone, um bandido honrado que transporta o caixão do seu companheiro do crime ao longo de vários quilómetros para o enterrar junto da falecida amada.
No dia seguinte, quando se separam, o rapaz surdo-mudo fica para trás e começa a seguir J.B.Bone. Relutante e desagradado pela presença do rapaz, o bandido tenta dissuadi-lo de o seguir, mas decorridas algumas noites habitua-se à silenciosa presença, com quem conversa sem obter resposta. Mas a sua viagem não há-de ser pacífica. O parceiro de J.B.Bone terá morrido num assalto perpetuado por ambos e, em sua perseguição encontra-se uma expedição de objectivos mistos – impor a justiça e obter a recompensa pela cabeça de Bone.
A subversão de estereótipos é evidente. O bandido perseguido faz todos os esforços para cumprir a palavra dada ao amigo falecido e acaba por se afeiçoar ao rapaz. Já os homens que o perseguem revelam-se menos honrados, na fronteira da violência que agora podem ultrapassar justificados com a recompensa pela cabeça de Bone. Excepto Salomon, um homem que se julga reger pelas leis de Deus, de moral rígida que pretende apagar as provas da sua fraqueza.
Apesar do clima duro, Cães da Pradaria revela-se em relato bastante mais emotivo do que esperava, uma reviravolta carregada de esperança depois de atingida a ruptura da tensão crescente de violência, revelando uma realidade que, sendo quase desprovida de possibilidades, ainda contém espaço para um final feliz no meio de tanta desgraça.
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