Se desde o primeiro volume que acho Descender uma das melhores séries de banda desenhada de ficção científica dos últimos tempos, a leitura do último volume da série veio reforçar essa opinião! A série centra-se num robot de aspecto juvenil, cruzando elementos de pinóquio (versão moderna como o A. I.) com o conceito de revolta das máquinas numa realidade futurista em que a humanidade se estendeu por vários planetas.

Ao longo desta série temos acompanhado o conflituoso relacionamento homem Vs máquina após a revolta das máquinas, mas é neste volume que percebemos que esta interacção não é a primeira vez que se revela catastrófica. As primeiras páginas são dedicadas a mostrar uma civilização anterior, há largos milénios que conheceu os Descenders, uma civilização de robots altamente avançados, conscientes e inteligentes!

Nesta outra civilização, um humanóide tenta reproduzir, no seu próprio planeta, os mesmos robots, com o objectivo de libertar a humanidade do trabalho, construindo escravos metálicos que realizem as tarefas mais pesadas. Mas os robots são seres conscientes da sua própria existência, não se considerando inferiores aos humanos nem pretendendo permanecer nesse papel limitado.

Após a apresentação dos Descenders, voltamos à linha temporal que conhecemos, em que TIM-21 é uma peça chave para o confronto entre a civilização humana e os robots revoltados. Enquanto o rapaz de quem era amigo (agora adulto) o procura, TIM-21 é levado para o centro dos confrontos por uma militar. Simultaneamente, assistimos ao reposicionamento de poderosas armas de guerra que poderão fazer pender a guerra para um dos lados.

Descender não é, apenas, uma série de bons momentos de acção, com lutas épicas e fortes cenários idílicos de ficção científica. Descender é, também, uma boa narrativa que desenvolve personagens e não se inibe de colocar e responder a algumas questões sobre ética e inteligência. E mesmo que o leitor não partilhe o ponto de vista, é impossível não deixar de sentir empatia para com as personagens – principalmente com as máquinas.

O que caracteriza um ser humano? O que leva um humano a ter consideração por outro ser? Seja artificial ou biológico? Durante vários séculos o homem ocidental escravizou outros seres humanos acreditando (ou desculpando-se) com diferenças intelectuais e físicas que o levavam a concluir ser superior.

Não estou, claro, a comparar homens a máquinas, mas aqui as máquinas não o são simplesmente. Copiadas de uma vertente sapiente e consciente, as máquinas, construídas pelos humanos nesta realidade, possuem pensamento independente com feitio próprio, capacidades de análise e de percepção, bem como uma sensibilidade emocional que as coloca a par com os humanos.

Em Descender um robot é um escravo. Sim, foi construído pelo homem, mas é capaz de pensar na liberdade, sentindo-se inferiorizado e desconsiderado. Mas não só. Sente-se preso e incapaz de exercer o seu livre arbítrio. E como qualquer ser capaz de tal pensamento, irá querer a sua liberdade.

A capacidade de sensibilidade por parte de uma máquina é de tal forma exacerbada na narrativa de Descender que, na prática, os brutamontes são os humanos. São os humanos que se mostram insensíveis perante outros seres pensantes (sejam artificiais ou biológicos) e pensam apenas na supremacia militar e no lucro mostrando uma ambição sem limites; enquanto as máquinas parecem movidas por pensamentos lógicos e sentimentos.

A relação homem Vs máquina é, ainda, explorada na vertente das próteses – quantas substituições mecânicas pode sofrer um ser humano e continuar humano? O que o torna comparável a humano e o que o torna comparável a máquina? Ainda que, fora do contexto, esta questão possa parecer fácil de explicar, com a narrativa percebemos que alguns humanos pretendem usar as extensões mecânicas para deixarem a sua categoria original.

Sensível, envolvente e emocionante. Descender consegue um final satisfatório neste sexto volume mas deixa a porta aberta para a construção de outras histórias neste Universo, constituindo uma grande série de banda desenhada.

Em Portugal a série está a ser lançada pela G Floy.