
De origem chilena, Jodorowsky é artista e cineasta, mas também autor de vários livros de banda desenhada (para além de muitas outras coisas). Independentemente do meio em que se expressa, as histórias de Jodorowsky estão carregadas de misticismo, alquimia e violência. Entre os seus livros mais famosos encontramos Incal e Metabarões. Esta série, Os Cavaleiros de Heliopólis não é excepção relativamente aos temas, centrando-se mais na ficção histórica do que na ficção científica, e colocando figuras históricas em rituais pagãos e alquímicos, onde não faltam as adivinhações por Tarot, a exploração das origens religiosas ou das diferentes mitologias.

Estes elementos, místicos e mitológicos, reflectem os interesses do autor que terá reconstruído a forma original do Tarot de Marselha e que terá avançado para outras formas terapêuticas como psicomagia, psicogenealogia ou massagem iniciática. Se, na psicomagia se acredita que a execução de determinados actos tem acção directa sobre o subconsciente, na psicogenealogia estuda-se a personalidade do paciente e a árvore genealógica como forma de encontrar a fonte da aflição.

Destaca-se, também, o uso de Tarot, quer como elemento de adivinhação ao longo da narrativa, quer como elemento narrativo na criação de algumas personagens. Assim, também, na história as personagens dão elevado valor a certos rituais e comportamentos, principalmente os Cavaleiros de Heliópolis – um grupo de alquimistas imortais que se reúnem num mosteiro no Norte de Espanha. Luís XVII será o próximo membro dos Cavaleiros: um jovem hermafrodita, que teve como pais o rei Luís XVI e Maria Antonieta.

Na primeira parte deste volume, designada de Nigredo: A Obra ao Negro, conta-se a história por detrás da concepção de tal criança, bem como a história ficcional de como terá sobrevivido ao seu suposto assassinato – uma epopeia de lutas, perdas e simbolismos, em que o título se refere à primeira fase clássica do trabalho alquímico, a calcinação em que há morte, dissolução de mercúrio e coagulação de enxofre. Também Luís XVII terá de morrer e dissolver-se para assumir a sua força absoluta.

Já na segunda parte, segue-se Napoleão Bonaparte, aqui retratado como um conquistador violento e egoísta, que estará a usar a conquista de territórios como forma de descobrir a imortalidade. Etapa a etapa, vai revelando as pistas que o levaram a tais propósitos, sendo, também estas de referências místicas. Cego pelos seus objectivos pessoais, Napoleão Bonaparte negligencia milhares de vidas. Esta segunda parte tem como título Albedo: A Obra ao Branco, em referência à segunda fase clássica do trabalho alquímico, em que, sob o signo da Lua, ocorre uma purificação e uma lavagem.

O título dos tomos deste volume remete para um plano superior para a narrativa da série onde o autor pega nas referências alquímicas, transpondo as fases do trabalho alquímico nas partes de Os Cavaleiros de Heliópolis. Seguir-se-ão Rubedo, a Obra ao Vermelho, e Citrinitas, a Obra ao Amarelo.
De realçar, também, o recurso à predestinação, elemento também usado em outras narrativas do autor, como os Metabarões. O surgir de determinada personalidade não será apenas obra do acaso, mas um acontecimento incontornável na história, que, neste caso, é também, a história da Europa. É impossível não sentir, em torno das duas personagens (centrais em cada um dos tomos) uma aura de figuras superiores e determinantes para o enredo.

Ainda que a história esteja repleta de elementos que nos recordam da sua autoria (Jodorowsky) não é uma narrativa carregada de violência dura, como outras do autor. Existem batalhas, contidas. Existem, claro, mortes (ou não ocorresse a história numa época de revolução e conquistas) e sacrifícios, mas com evidente propósito narrativo.
A acompanhar a narrativa de Jodorowsky encontramos um excelente trabalho gráfico, quer no desenho, quer na cor. Este trabalho gráfico é destacado pela qualidade da edição, numa capa de textura peculiar que faz deste volume, um trabalho de luxo. Como único ponto negativo indicaria a ausência de extras ou de introdução.

Este primeiro volume de Os Cavaleiros de Heliópolis contém uma história forte que resulta de forte plano narrativo. A apresentação (e título) dos tomos revela um propósito do autor, usando cada fase alquímica como forma de tecer e interligar as histórias. Talvez por isso, tenha achado que a série tem potencial para se tornar uma das melhores narrativas do autor – vejamos se tal se concretiza num dos próximos volumes.
A série Os Cavaleiros de Heliópolis está a ser publicada em Portugal pela Arte de Autor.
