O ano de 2019 foi mais escasso em leituras (rondaram as 130) e, como tal, eis um top mais pequeno. Como é habitual, divido este top em obras nacionais e internacionais!

Obras portuguesas

Melhor banda desenhada de ficção científica

Apesar de ter gostado menos de Sentinel do que de Watchers, os livros de Luís Louro continuam a destacar-se tanto pelo aspecto visual como pela narrativa que usa cenários conhecidos de Lisboa e lhes dá um toque simultaneamente futurístico e caricato. Em termos visuais, corresponde às expectativas criadas em Watchers, ainda que, em termos narrativos seja mais exuberante.

Menção Honrosa – Ermal – Miguel Santos

Miguel Santos continua a publicar uma série pós-apocalíptica que pode ser enquadrada em Afrofuturismo. A Europa deixou de ser um território viável e são os europeus que procuram terras africanas para sobreviver. Em Ermal Miguel Santos explora várias facções políticas com guerrilhas, espionagem e contra-espionagem.

Melhor banda desenhada de fantasia

Andromeda, de Zé Burnay, encontra-se entre o melhor visual de 2019! Para além da edição inglesa lançada pelo próprio autor através de financiamento colectivo, existe, também, uma edição portuguesa lançada pela editora A Seita. De poucas palavras, a história cruza elementos míticos e mitológicos, com uma aura permanente de horror fantástico. Por entre paisagens fantásticas carregadas de elementos estranhos, que me recordam mundos pós-apocalípticos, seguimos um homem que vai enfrentando várias bestas e várias divindades. Podem ler um comentário mais detalhado.

Mar de Aral é um livro de José Carlos Fernandes e Roberto Gomes que também marcou o ano. Vencedor de prémios nacionais, é um conjunto de histórias (várias com componente fantástica, daí a inclusão nesta categoria) que demonstram o típico humor do autor. A acompanhar a narrativa, o desenho de Roberto Gomes corresponde ao tom de cada história. Podem ler um comentário mais detalhado.

Melhor banda desenhada cómica

Derradé lançou um livro bastante diferente dos anteriores! Neste volume um homem decidiu largar o emprego de IT e abrir a sua própria loja de banda desenhada! Esta mudança radical leva a que a esposa o abandone. Mas será na loja que irá viver uma série de aventuras livrescas, aventuras estas que estão repletas de referências a personalidades da banda desenhada portuguesa. O livro destaca-se pela caracterização dos dois meios, das tecnologias de informação e da banda desenhada, uma caricatura excelente! Podem ler um comentário mais detalhado.

Menções honrosas

Álvaro lança o terceiro volume de Conversas com os putos, focando-se agora nos seus professores. Se as conversas com os miúdos já eram hilariantes (revelando a ignorância ou a falta de preparação dos mais jovens, em cenas que parecem impossíveis) e as conversas com os pais são de bradar aos céus (percebendo-se de onde provém a mentalidade dos filhos), neste os episódios centram-se nos professores e esvai-se parte da esperança no futuro da humanidade. Podem ler um comentário mais detalhado.

A Assembleia das Mulheres é um dos primeiros lançamentos de autores portugueses da editora A Seita. Trata-se de uma adaptação por Zé Nuno Fraga, uma paródia em que os elementos narrativos casam perfeitamente com os desenhos de tom exagerado. O resultado é uma leitura hilariante, de elevado nível de qualidade no nosso mercado e que estará (do que tenho visto) a passar mais despercebida do que merece. Podem ler um comentário mais detalhado.

Melhor narrativa de ficção

Toutinegra foi uma das últimas leituras de 2019, revelando-se, também, uma das melhores leituras. Toutinegra é uma história forte que consegue, de uma forma sublime, cruzar acontecimentos difíceis com a inocência das personagens – uma fórmula que André Oliveira já usou noutras histórias para retratar problemas psicológicos ou situações pesadas, fazendo o leitor focar-se em pequenos episódios quase banais enquanto desenlaça os detalhes de algo maior.

Obras de autores estrangeiros

Melhor história de super-herói

Os dois volumes de All-Star Superman mostram como o herói se confronta com a sua mortalidade, enfrentando os seus duplos de diversas formas. Por um lado, existem outros super-heróis no futuro, por outro, outras versões de si próprio criados de forma diferente. Este confronto com a mortalidade pode ser uma fraqueza, mas revela o espírito forte do herói. Podem ler um comentário mais completo.

Melhor adaptação

O desenho é sublime! A Morte Viva consiste numa adaptação de um livro de ficção científica de 1958, uma história que se revela bastante actual, oscilando entre o fantástico, a ficção científica e o horror (leve). O ambiente é gótico e sombrio, usando como palco um castelo Schloss Neuschwantein. No futuro aqui retratado, a humanidade deixou a Terra e vive em Marte, viajando esporadicamente a este planeta. Em Marte, a humanidade afasta-se da verdadeira ciência, bloqueando avanços científicos num clima de sociedade distópica. Podem ler um comentário completo aqui.

Melhor banda desenhada Western

O primeiro volume de Comanche apresenta a usual realidade da lei da bala. Quem tem mais força atrofia a região, seja pela influência, seja pela contratação de homens armados. Mas este ciclo é quebrado por Comanche, um homem de armas, mas correcto, que se irá juntar aos mais fracos e garantir a justiça.

Melhor banda desenhada histórica

Indeh apresenta a realidade do Faroeste de forma bastante diferente do que estamos habituados – pela visão dos índios. De visual excelente e mesmerizante, Indeh apresenta uma história forte que nos faz torcer pelos Apache, mesmo sabendo o resultado da sua luta – o homem branco revela-se traiçoeiro e mentiroso, utilizando falsas desculpas morais e armadilhas para chacinar e impor uma guerra. Podem ler um comentário mais completo aqui.

Melhor banda desenhada de ficção científica

Num mundo apocalíptico, uma estranha doença limpa a humanidade. Em simultâneo, todas as crianças que nascem apresentam características de outros animais – como hastes de veado, ou penas de pássaro. A sociedade humana praticamente desaparece – restam os grupos armados, nem sempre de boas intenções, e alguns eremitas que escolhem uma existência mais isolada. Jeff Lemire consegue desenvolver personagens enquanto desenvolve uma mitologia maior que as envolve. Podem ler um comentário completo aqui.

Menções honrosas

Em Bug um estranho acontecimento provoca o apagar de todos os registos digitais. Não há discos rígidos nem bases de dados e, consequentemente, não há internet e todos os mecanismos que se baseiam em informação deixam de funcionar. Instala-se o caos. Mas mais estranhos são os fenómenos que decorrem em redor da terra, numa nave espacial em que os poucos humanos apresentam preocupantes comportamentos – relacionados com o desaparecimento de qualquer memória digital! Podem ler um comentário mais completo aqui. E aqui (volume 2).

Urbicanda parece a cidade perfeita. Os prédios alinham-se numa proporção balanceada e imponente. Os cidadãos que vemos estão bem vestidos e confortáveis. As ruas são ordeiras, limpas e luxuosas. Mas para terminar o alinhamento perfeito, falta a construção de uma ponte – uma ponte que ligará os dois lados da cidade e que é, por esse motivo recusada.

Do outro lado da ponte encontram-se os outros. Os trabalhadores que vivem na cidade onde a desordem faz parte. Os pobres que devem ser afastados das belas construções e cuja entrada deve ser controlada e fiscalizada. É neste contexto que a ponte é recusada, por ser um elemento de contacto que poderá facilitar a passagem dos indesejados. Mas, em A Febre de Urbicanda (uma distopia) uma estrutura irá provocar a ligação e, consequentemente, o caos.

Do outro lado da ponte encontram-se os outros. Os trabalhadores que vivem na cidade onde a desordem faz parte. Os pobres que devem ser afastados das belas construções e cuja entrada deve ser controlada e fiscalizada. É neste contexto que a ponte é recusada, por ser um elemento de contacto que poderá facilitar a passagem dos indesejados.

Melhor banda desenhada de horror

Jeff Lemire volta a marcar presença neste top com Gideon Falls! De tom bastante diferente do usual do autor, apresenta o desenvolvimento de uma mitologia de horror, em que várias pessoas, interligadas de diferentes formas, vêem uma estrutura surreal, um celeiro que parece estar ligado a desaparecimentos e assassinatos.

O Homem Vazio é um livro isolado de Cullen Bunn, o autor de Harrow County. Neste livro, o horror parece ser mimético ou epidémico. Várias pessoas parecem deixar-se levar por vozes e presenças imaginárias, mas que são coerentes entre si. Tudo transpira terror – o ambiente pesado, o desenrolar dos acontecimentos, os horrores sussurrados e os segredos profundos. Podem ler um comentário mais completo aqui.

Melhor banda desenhada de fantasia

O desenhador de Tony Chu lança nova série fantástica, também pela Image. Trata-se de Farmhand, uma banda desenhada que já aqui tenho referido mas que não me canso de elogiar, sobretudo pela premissa: um homem encontra forma de criar transplantes para órgãos humanos a partir de plantas. Mas, será que o controlo sobre estes pedaços vegetais é completo? No final do primeiro volume e no segundo percebemos que existe mais alguém com poderes vegetais que pode transportar o sonho em pesadelo. Podem ler um comentário mais completo aqui. E aqui (volume 2).

Em Os Cavaleiros de Heliópolis o fantástico cruza-se com factos históricos criando uma nova história em torno de figuras francesas míticas como Luís XVI, Maria Antonieta ou Napoleão Bonaparte. Os elementos fantásticos apresentam-se sob a forma de rituais alquímicos e iniciáticos, sendo que cada elemento possui o seu significado maior. Trata-se de um volume que se destaca sobretudo pelo aspecto visual. Podem ler um comentário mais completo aqui.

The Collected Toppi é de referência obrigatória, ainda que mais pela componente visual do que pela narrativa. São várias as mitologias que dão origem aos vários contos, mostrando, ora, o cruzar de tempos mais modernos com as figuras tradicionais fantásticas, ora o contacto entre diferentes civilizações. Independentemente da mitologia que origina a história, as figuras fantásticas possuem uma lógica própria e raramente bondosa para com os seres humanos. Podem ler um comentário mais completo aqui.

Melhor narrativa ficcional

Nesta secção eis dois trabalhos de espírito bem diferente. Eu, Louco, é tão pessimista e negativo quanto Verões Felizes é esperançoso e alegre. Eu, Louco traça um retrato pesado da indústria farmacêutica, competitiva e mafiosa, capaz de levar à loucura, e à morte, trabalhadores e pacientes – tudo pelo lucro.

Já, em Verões Felizes, seguimos as férias de uma família que parte de carro. O pais, autor de banda desenhada, espera um dia ter uma vida mais relaxada, com o sucesso das suas obras – algo que vai sendo adiado e causando frustração no casamento. Mas, apesar das tensões familiares, vão vivendo fantásticos momentos de diversão.