Confesso que este livro em deixou meio desapontada. Não porque não gostasse das histórias que contém, mas porque quase metade do livro contém as mesmas histórias que outro livro do autor – Stories of your life and others. Depois destas, encontra-se Dacey’s Patent Automatic Nanny, também já publicada em Almanaque do Dr. Thackery T. Lambshead de Doenças Excêntricas e Desacreditadas.

Posto isto, os restantes contos são muito bons, com a excelente construção de mundo que é usual de Ted Chiang. O autor vai explorando vários conceitos, centrando-se bastante na dualidade escrita / linguagem, e na religiosidade – mas sempre de forma cientificamente correcta e criando mundos em torno de premissas simples.

Em The Truth of Fact, the truth of feeling, o ser humano desenvolve a capacidade de gravar o que ocorre ao nosso redor. Esta capacidade poderá ser extremamente importante dado que a memória biológica é dada a pequenas, mas fulcrais alterações, de forma a facilitar a percepção que cada um tem de si mesmo.

O autor contrapõe esta premissa com uma história em paralelo que mostra o primeiro contacto de uma tribo com a escrita, mostrando existir uma diferença de importância perante aquilo que as pessoas recordam e querem recordar. Para esta tribo, a recordação escrita (mais precisa em conteúdo) é remetida para segundo plano porque não está de acordo com a sua forma de pensar.

Este desenvolvimento em paralelo é uma forma óbvia de mostrar como a capacidade de gravar o que nos rodeia para visualizarmos mais tarde (como um comum gravador) poderia modificar a forma como pensamos, percepcionamos e interagimos com o que nos rodeia.

E com isto tudo, este deve ser o pior conto que li do autor. Apesar de ser muito bom, está abaixo do nível de fabuloso que lhe é usual. Os contos de Ted Chiang costumam ser polidos em desenvolvimento e conteúdo, mostrando apenas o que é essencial. Este tem um objectivo muito concreto, mas é relaxado na forma como se apresenta.

The Great Silence apresenta a perspectiva de um animal terrestre que questiona a busca de vida inteligência no Universo por parte do homem, sendo que já existem outras civilizações inteligentes aqui mesmo no Planeta Terra, mas o Homem não tem capacidade para as reconhecer. A premissa é inteligente e bem desenvolvida em seis páginas, resultando num jogo de conceitos interessante e irónico.

Em Omphalos existem provas arqueológicas de um evento de criação que terá originado o planeta Terra e a humanidade. Desta forma, existem corpos mumificados de seres humanos sem cordão umbilical e conchas / árvores sem todos os anéis que justificariam o seu crescimento, demonstrando-se, dessa forma, que existiu um momento de criação divina. Nesta realidade, a arqueologia é a prova da existência de um Deus.

A narrativa apresenta-se sob a forma de orações de uma arqueóloga, que vai contando como uma descoberta científica astronómica irá colocar em causa a religiosidade dos humanos, sem pôr em causa a existência de um Deus criador. À semelhança de outros contos do autor é uma história que parte de uma premissa simples (e se tivesse existido um momento de criação, que provas arqueológicas poderiam existir) para criar um Universo onde apresenta um detalhe disruptor mas, simultaneamente, revelador.

O último conto deste livro, Anxiety is the dizziness of Freedom, é uma das melhores histórias do autor. Nesta realidade existem mecanismos que, ao serem gerados, provocam uma diferença ínfima no mundo, fazendo divergir duas realidades e, em simultâneo mantêm a comunicação entre essas realidades (por um determinado esforço, limitado).

Quando estes mecanismos se popularizam, várias pessoas o adquirem como forma de originarem duas realidades e poderem ver as pessoas que se tornariam se tivessem tomado diferentes decisões – se me tivesse casado, se tivesse cedido a um impulso violento.

Em torno destes mecanismos surgem inúmeros negócios – há lojas que possuem vários prismas com diferente longevidade de desfasamento do mundo principal e que respondem a todas as perguntas possíveis e imaginárias.

Entre várias histórias que este conto explora, destaca-se a de uma jovem carregada de remorsos de um episódio na adolescência. Se… Ou se. E com base nesse momento se define parte da sua vida e o relacionamento com uma conhecida de longa data.

Ultrapassando a desilusão de que alguns contos já estão publicados noutra colectânea que tenho de Ted Chiang, o conjunto de histórias que aqui se apresenta é muito bom. Eis os que são repetidos (e cujo comentário podem ler):

Um dos contos pode ser lido online gratuitamente: The Great Silence.