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Nomeado para os prémios Hugo e Nebula, o Almanaque do Dr. Thackery T. Lambshead de Doenças Excêntricas e Desacreditadas publicado em inglês pela Night Shade Books será a última edição da compilação de doenças do Dr. Lambshead.

Na realidade, trata-se de um compêndio de doenças fantásticas mas inexistentes, da autoria de mais de 50 escritores diferentes, desde Neil Gaiman a China Miéville, passando por Cory Doctorow, Alan Moore ou Michael Moorcock. Cada descrição ocupa entre uma a quatro páginas, e para além destas podemos encontrar um prefácio dos editores, uma introdução relutante do próprio Dr. Lambshead (personagem ficcional), assim como um espaço para episódios da vida do próprio Dr. contados por quem pensa tê-lo conhecido.

A edição portuguesa, pela Saída de Emergência não se resume a constituir uma tradução do Almanaque, acrescentando várias doenças por autores portugueses, num anexo denominado Compêndio Médico Calamar Trindade de Doenças Notáveis e Invulgares. Calamar Trindade terá sido um médico português, discípulo de Lambshead que, após alguns mal entendidos aguçados pela personalidade de ambos, se terá afastado do médico inglês. Entre os autores portugueses podemos encontrar Afonso Cruz, David Soares, João Seixas, Luís Rodrigues ou João Ventura.

No Almanaque descrevem-se doenças pouco vulgares: se há quem seja acossado por um crescimento caudal, existem também os atormentados por patologias do foro psicológicos, acreditando que o Universo se encontra em permanente expansão, e é constituído por partículas cada vez mais ínfimas.  Alan Moore descreve uma Doença de Fuseli em que os doentes sonham com uma constipação permanente, contagiando as pessoas com quem se sonha. Michael Bishop, por exemplo, relata os sintomas de Biblioartifexismo, em que os pacientes julgam ter escrito grandes clássicos, como D. Quixote.

Entre doenças puramente fantásticas ou maleitas cientificamente descritas, encontramos algumas que aproveitam obras ficcionais ou estereótipos para descrever os pacientes. Desta forma, existem doenças irónicas e sarcásticas que, por exemplo, apenas atacam políticos ou pessoas cuja profissão envolva mentiras constantes; ou cómicas em que os autores exploram situações ridículas resultantes da maleita por eles criada.

Mas se o conjunto de doenças no Almanaque é excelente, não menos fantásticos são os relatos que constituem o Compêndio Médico de Calamar Trindade, pelos autores portugueses. Entre as doenças descritas pelos portugueses podemos encontrar uma metamorfose que recorda a obra de Kafka (Ricardo Tinoco), uma doença de Lovecraft em que os pacientes desenvolvem escamas (Luís Corte Real), uma hipersensibilidade lexical (alergia a determinadas palavras) por Jorge Palinhos, ou uma obsessão de se ser famoso a qualquer custo (Jorge André Catarino).

Se no Almanaque as histórias e descrições rodeiam a figura de Lambshead, no Compêndio as doenças não estão, na sua maioria, relacionadas, mas aproveitam conhecidas obras ficcionais para se desenvolver. No final, entre espirros teletransportadores, genitálias falantes e leitores de ficção científica, deliciei-me mais com o Compêndio do que com o Almanaque. Uma obra a não perder para aqueles que gostam de compilações fantásticas, sejam de cidades invisíveis, bibliotecas inexistentes ou seres imaginários.