De António Ladeira já tinha lido duas colectâneas de contos (Os Monociclistas e Outras Histórias do Ano 2045 e Seis Drones – Novas Histórias do Ano 2045). Ambos apresentam várias histórias distópicas que pegam em premissas simples para desenvolver histórias fascinantes. Este Montanha Distante apresenta uma história única e menos exagerada em premissa, mas também uma distopia que se distingue pela abordagem escolhida pelo autor.

A história

Um taxista apanha um homem que pretende deslocar-se entre Vila Ideal e Vila Real. No longo caminho resolve contar-lhe a sua própria história de vida, como forma de obter mais informações sobre o passageiro. Sem grande sucesso, salvo por algumas alterações de postura que o taxista interpreta como estando a tocar nos pontos que incomodam o passageiro.

A história de vida do taxista é peculiar e é por ela que depreendemos estarmos perante um regime distópico, controlador do destino dos seus cidadãos, um regime totalitário com uma figura máxima (à semelhança de O Grande Irmão) carregado de eventos nacionais e nacionalistas, onde não falta, sequer, a propaganda televisiva do que é ser um bom cidadão, um pai de família exemplar, um herói nacionalista capaz de se sacrificar pela pátria.

O taxista, o narrador da sua própria história, não encaixa no que deveria ser em todas estas vertentes. E é essa mesma distinção que o faz afastar-se da família ainda jovem, e procurar o seu destino numa nova cidade. Aqui parece ter encontrado a sua vocação dentro do que são as necessidades do regime, mas uma paixoneta apressada para o casamento (pelas regras vigentes) leva-o a quebrar com tudo e com todos, seguindo um caminho no limite da legalidade.

A narrativa

A história apresenta elementos comuns a várias distopias. A propaganda nacionalista que pretende impor um padrão de comportamento. A vigilância constante. As regras apertadas que visam destacar os exemplares que as seguem, e ostracizar os restantes. Ainda assim, é uma ditadura mais orgânica e menos neurótica do que as clássicas.

Existe alguma tolerância para a quebra de regras (existem consequências na carreira e no estatuto social) mas existe, também, alguma possibilidade de as quebrar como forma de canalizar a frustração. Por outro lado, talvez à boa maneira portuguesa, não falta o chico-espertismo, os jogos de influências nem as cunhas.

A família do taxista representa o chico-espertismo. Donos de um negócio rentável, não se contentam e escolhem mil e uma tácticas de ganhar sempre um pouco mais, recorrendo a técnicas de venda duvidosas, ou à utilização de peças reutilizadas ao invés de novas (algo comum no negócio de carros).

Os jogos de influências e as cunhas denotam-se mais tarde quando o taxista casa com alguém influente e, claro, começa a progredir na carreira, apesar do seu passado turbulento. Também a postura dos colegas é diferente como resultado desta união, passando a cumprimentá-lo quando outrora o ignoravam.

É, portanto, uma ditadura diferente do que se representam nos clássicos, mais relaxada, nalgumas componentes. Para além da vigilância e das regras, existe, também, uma preocupação com os cruzamentos genéticos, uma avaliação das melhores combinações que é necessária para a autorização de um casamento.

A história intercala entre o tempo presente (da longa viagem de táxi) e o passado do taxista, contado pelo próprio. Percebemos que existe algo mais do que o mero interesse e desejo de falar do taxista, mas o que é, só perceberemos no final. Esta forma de abordar a história permite depreender as principais características da distopia, demonstrando-as ao invés de, simplesmente, as descrever. Permite, também, criar empatia para com a personagem, seguir a sua história de vida, peculiar, enquanto se descreve como alguém no limite do sistema.

Conclusão

Montanha Distante é uma distopia com características algo diferentes do que é usual. Por um lado apresenta-se menos claustrofóbica, apesar do controlo, como se quem comanda tivesse percebido que construir pontos de escape pode permitir um maior controlo sobre a população. Por outro, apresenta o tal chico-espertismo e a propensão para as cunhas, dois elementos pouco comuns.

A abordagem narrativa recordou-me A Instalação do Medo de Rui Zink. Não pela distopia apresentada, nem pela história contada, mas pela acção que decorre no interior de um espaço fechado, neste caso dentro de um carro e não dentro de uma casa, sendo que é neste domínio limitado que as interacções adquirem significados mais fortes.

De mundo bem construído, com analogias interessantes com a realidade, Montanha Distante é uma excelente distopia de autoria portuguesa. Uma leitura a destacar em que apenas lamento que não seja mais divulgada e conhecida.