Eis um dos livros que está a causar furor nas novidades de ficção especulativa. Neste caso, mais direccionado para a fantasia, trata-se do romance de estreia de Sunyi Dean. O título promete algo interessante, bem como a sinopse.
A história
Os monstros existem. E à primeira vista são parecidos com os humanos. Se olharmos mais de perto, percebemos algumas diferenças – insensibilidade ao frio, maior força e rapidez, mas, acima de tudo, uma alimentação bem diferente. É que estes monstros alimentam-se de livros, comendo e absorvendo o que neles se encontra. Mas então onde estão os monstros? Bem, quando nasce um novo bebé, tanto pode ser um devorador de livros, como um devorador de mentes. E os devoradores de mentes, alimentam-se de mentes, sugando todas as memórias de um cérebro, seja humano, seja de devorador de livros.
Devon é uma devoradora de livros. E como qualquer membro feminino da sua espécie, é criada como uma princesa, sem tarefas, mas também sem informação que lhe possa ser útil no futuro. É que as fêmeas são raras e de forma a garantir a continuidade da espécie, têm apenas uma única tarefa – a procriação. Para tal, as devoradoras de livros adultas casam-se com homens de outras famílias de forma calculada com a ajuda guardiões – homens que têm como função controlar os devoradores de mentes, e de guardar a geneologia das famílias. Os casamentos duram quatro anos, altura em que são obrigadas a abandonar os filhos, retornando às suas famílias originais. Devon é, no entanto, uma devoradora de livros pouco convencional e muito dada a ideias, tendo consumido alguns livros não autorizados.
Crítica
A narrativa alterna entre duas épocas, apresentando numa Devon enquanto criança e inocente, com a percepção de ser livre, e uma Devon adulta que cuida de uma criança, uma devoradora de mentes. Neste segunda linha narrativa percebemos que Devon já não está na sociedade secreta dos devoradores de livros, mas escondida e fugindo dos Gardiões, e arranjando entre os humanos vítimas para o seu filho poder devorar. Estas duas perspectivas complementam-se e permitem perceber o funcionamento da sociedade dos devoradores de livros, separada em famílias que evoluem com a humanidade de forma distinta.
Nalgumas famílias recorre-se ao trâfego humano para garantir trabalhadores, nalgumas recorre-se a ajuda médica actual, enquanto outras criam novos modelos de negócio. Em todas existem bibliotecas repletas de livros que são digeridos e absorvidos, sendo que os devoradores de livros passam a conhecer tudo o que se encontrar no interior dos livros.
Conseguimos percepcionar estas diferenças através dos casamentos de Devon que a levam a frequentar diferentes famílias de devoradores de livros. É, ainda assim, uma perspectiva bastante limitada. O facto de a narrativa se centrar numa personagem com pouco acesso a informação significa que a nossa perspectiva, enquanto leitores, também é relativamente limitada. Teria achado interessante conhecer os detalhes da existência de outras personagens.
A história é movimentada e apresenta detalhes originais. Enquanto criança, Devon está sempre metida em sarilhos. Em adulta, também, mas a dimensão das dificuldades é totalmente diferente. Enquanto adulta é perseguida por devoradores de livros e captura humanos. Esta abordagem permite uma narrativa acelerada, capaz de manter o interesse do leitor. Os detalhes em torno do consumo de livros (e até de mentes) são interessantes, e explicados de uma forma quase científica, apesar da envolvência ligeiramente fantástica.
The Book Eaters é o primeiro livro da autora e, apesar de ser uma leitura fascinante (pelos detalhes associados ao consumo de livros), fiquei com a impressão que se sustenta mais pela velocidade dos momentos de acção do que pela construção do mundo. Novamente, acho que teria sido interessante explorar outros pontos de vista e outras preocupações. Devon tem objectivos de vida bastante simples, associados à recuperação e sobrevivência dos filhos. Ainda que estes objectivos sejam percepcionados facilmente pelo leitor, a forma como são explorados não conferem grande dimensão à história.
Adicionalmente, as interacções são simples, e resumidas ao básico. Todas as interacções de Devon acabam por ter um papel específico para justificar determinado desenvolvimento, e as restantes personagens com as quais interage são caracterizadas através das poucas palavras faladas a Devon, ou através de alguma curta descrição proporcionada pela disponibilidade da personagem principal. Este é, a meu ver, um dos pontos mais fracos do livro.
Outro aspecto que poderia ter sido explorado de forma mais consolidada é a introdução das perspectivas feminista e LGBTQ+. Por um lado, o papel tradicional e reduzido de Devon é um paralelismo óbvio do papel feminino nas sociedades humanas, em que as mulheres são presas ao analfabetismo. Por outro, algumas personagens são diferentes e não se enquadram nos papéis tradicionais da sociedade de devoradores de livros, mas este aspecto é tratado tangencialmente, parecendo mais o resultado de uma necessidade de argumento (uma forma de justificar um relacionamento com Devon) do que personagens naturalmente desenvolvidas.
Ainda assim, a história é engraçada e envolvente, uma leitura ritmada que capta o leitor e apresenta elementos originais numa sociedade com algumas características interessantes. Não estando entre as melhores leituras dos últimos tempos, é uma leitura aconselhável a quem goste de uma fantasia com detalhes negros, com poucos momentos parados ou introspectivos.
Conclusão
The Book Eaters apresenta uma premissa original para qualquer pessoa que goste de ler livros à dúzia. A história é movimentada e apresenta detalhes curiosos sobre uma espécie inteligente secreta (ou que pretende alguma distância dos humanos) que devora livros e absorve o seu conteúdo. Apesar de ser uma leitura razoável, senti que a premissa poderia ter sido melhor explorada e originado um livro extraordinário.