Devido a constrangimentos pessoais e profissionais, este ano viu uma acentuada redução de leituras, de 285 para 186 livros lidos. Ainda assim li coisas bastante interessantes, tendo investido bastante no género fantasia – apesar dos preconceitos para com este género, há muito mais do que as típicas histórias de princesas e príncipes, ou cavaleiros em cenários medievais com dragões e criaturas mágicas. Dos que li este ano (podem consultar a lista completa no goodreads) eis os melhores:

Nacional

Parece que o azul está na moda – pelo menos nas publicações nacionais. Entre as leituras nacionais deste ano destacam-se três livros: Do Outro Lado, O Deus das Moscas tem Fome e Nova, nova, nova, nova!.

O primeiro, Do Outro Lado, tem origem insuspeita. A autora tinha publicado recentemente uma colectânea de contos de horror bastante boa, Conta-me escuridão. Mas este, mais recente, Do Outro Lado, é uma história de ficção científica, bastante movimentada, que nos apresenta dois mundos paralelos. A escrita destaca-se pela capacidade em criar personagens e em manter um bom ritmo, talvez fruto da experiência em criar guiões. Um dos seus elementos mais positivos e distintivos é, por vezes, também, o ponto fraco – ao afastar-se consistentemente de clichés, a autora cria elementos de novidade, mas também, algum sentimento de incompletude. A crítica mais completa ao livro deverá sair dentro de poucos dias.

Luís Corte Real não é um nome novo no mundo editorial da ficção especulativa. Mais conhecido por ser o fundador e editor da Saída de Emergência (conhecida pela colecção Bang!) Luís Cortel Real aproveitou o confinamento para explorar a vertente da escrita. O resultado é um detective do oculto na Lisboa do século XIX que vai tendo vários casos para resolver ao longo deste volume. Luís Corte Real publicou, também, um segundo volume, mas menos centrado em Lisboa. As histórias destacam-se pela criação do ambiente de época e pela movimentação, com constantes desafios e cenários de horror. Podem ler uma crítica mais completa AQUI.

Ainda nos livros nacionais, destaca-se a publicação de uma pequena história de Carlos Silva, Nova, nova, nova, nova! que tem como maior defeito ser curta e estar pouco disponível, dado tratar-se de um livro associado à Start-up Cultural da Arruda. A história leva-nos para um Portugal futuro, onde as IA proliferam, mas ainda não têm um estatuto próprio. É nesta realidade futura que Carlos Silva cruza tradição com futurismo, confrontando-os e unindo-os. Podem ler uma crítica mais completa AQUI.

Internacional

Fantasia

Tinha descoberto T. Kingfisher (ou Ursula Vernon) em 2021, com The Hollow Places. Mas foi este ano, com Nettle and Bone que fui explorar mais e acabai por ler sete livros da autora (para além deste, What Moves the Dead, A Wizard’s Guide to Defensive Baking, Minor Mage, Paladin’s Grace, The Seventh Bride, Summer in Orcus) e começar mais um. Bem, afinal, porque estou a gostar tanto do que a autora escreve? Ainda que os livros peguem em premissas de fantasia, existem detalhes arrepiantes que podem ser considerados de horror. Nem tudo é perfeito, e as personagens sofrem situações traumáticas (antes ou durante o decorrer da história) que não são minimizadas nem descuradas. Existem alguns clichés do género, mas que a autora transforma com mestria em situações originais e refrescantes. Alguns dos livros destinam-se a um público mais jovem, mas nem por isso são condescendentes ou simplistas. Interessados em Nettle and Bone? Podem ler algo mais na crítica.

Bone de Jeff Smith está entre as melhores leituras de sempre de banda desenhada. Após a sua leitura procurei os vários spin-offs e ainda que sejam interessantes e nos levem com nostalgia para a grande aventura que é Bone, não resultariam como livros isolados. Não é o caso desta trilogia, Quest for the Spark, que pela mão de Tom Sniegoski ganha vida própria com novas personanges e novas aventuras. Este autor conseguiu pegar no mesmo mundo e na mesma premissa para criar algo novo onde se sente a marca da história original, mas que pode ser lido de forma independente e que consegue ser simultaneamente emocionante e divertido. Sobre o primeiro volume podem ler algo mais AQUI.

The Women Could Fly não é um livro perfeito. Longe disso. Mas apresenta uma premissa curiosa com um desenvolvimento arrepiante. A história desenvolve uma distopia baseada numa premissa fantástica – e se a magia das bruxas existisse num mundo moderno, em quase tudo o resto semelhante ao nosso? Em The Women Could Fly, parte da sociedade (a feminina, claro) é controlada de 1001 formas, com receio de terem poderes mágicos. Este controlo é ainda mais apertado para mulheres como Josephine que, para além de ter pele escura, tem uma mãe que desapareceu em circunstâncias complexas.

Ficção científica

Tomei conhecimento de Black no More através de um livro de Alberto Manguel em que falava desta obra. Trata-se de um livro de história alternativa que nos leva aos anos 30 dos Estados Unidos da América, época conhecida por segregação racial nas grandes cidades, onde, apesar de livros, as populações de peles escuras tinham (e ainda têm) menos oportunidades que os restantes. É nesta realidade que o autor coloca uma invenção que poderá revolucionar a sociedade e a forma como a humanidade se vê – e se fosse possível clarear ao ponto de se passar por branco? Curiosamente, o livro está a ser lançado agora (este mês) no mercado português.

Pela Antígona chega-nos este A Fábrica do absoluto, do mesmo autor que A Guerra das Salamandras, Karel Capek. Neste clássico de ficção científica, um inventor descobre um motor capaz de usar toda a energia existente na matéria. A máquina é tão eficaz que irá revolucionar a economia a nível global. Mas mais do que isso – é que a combustão por esta máquina gera um produto secundário – um género de gás que provoca a religiosidade extrema a quem dele se aproxima. Mas se pensam que esta religiosidade irá tornar a Terra num local perfeito, enganem-se.

Horror

T. Kingfisher volta a aparecer como autora de uma das melhores leituras, mas desta vez para o género horror com What moves the dead. Neste livro a autora pega na história clásscia de Edgar Allan Poe, The Fall of the House of Usher, criando uma nova versão, mais longa, com caracterização de personagens e uma premissa que recorda alguns livros de New Weird, mais concretamente Jeff Vandermeer (quer na premissa, quer na capa), ainda que a concretização seja bastante distinta deste autor.

The Book Eaters está entre a fantasia e o horror, com a criação de umas criaturas humanóides, bastante semelhantes a humanos, não fora poderem literalmente comer livros. Apesar de semelhantes, a sua sociedade é muito fechada, mantendo as mesmas regras há séculos. Cada família possui a sua espécie de domínio e combina os cruzamentos de famílias a troco de alianças e valores financeiros. Neste enquadramento, as mulheres são preciosas – mas isso também significa que são vigiadas e controladas, sem poderem ter palavra sobre o seu próprio destino.

Livrarias, de Jorge Carrión, trata, como o título indica, de Livrarias. De localização em localização, o autor fala das mais emblemáticas livrarias, falando não só de quem as frequenta, mas de quem as fundou e da sua história. Não faltam referências a livrarias portuguesas!

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