Como tantos outros livros de não ficção, é-me quase impossível ler este livro e não começar logo a tomar notas. Aliás, é uma das razões pelas quais não o li fora de casa. Já na página 20 tinha 4 páginas de notas à mão (coisa que raramente faço, usar papel e caneta). Algumas das coisas escritas são efectivamente notas. Outras são ideias, derivações, argumentos ou oposições ao que está escrito. E este texto todo refere-se ao primeiro capítulo…

Bem, comecemos pelo primeiro texto – Contra a Amazon. Sete Razões / um manifesto. O conteúdo é óbvio, argumentando sobre a Amazon e caracterizando-a como a pior coisa que aconteceu ao livro e aos leitores desde … o incêndio de Alexandria? Talvez? Bem, por cá, a Amazon não chegou propriamente. É possível encomendar livros da Amazon espanhola ou inglesa, mas de autoria portuguesa dificilmente. Temos, ao invés da Amazon, a Wook e a FNAC como principais vendedoras de livros online (diria eu – não fui propriamente tirar estatísticas).

Perde-se a exploração da livraria, estimula-se um modelo de negócio explorador (à moda americana dando primazia à eficiência a custo físico e psicológico de empregados), quebram-se outras livrarias, vendem-se livros sem crivo nem validação de origem ou qualidade… Tudo isto é verdade. Mas ainda assim, há pontos que, ou não concordo, ou devo debater mais a fundo.

“Porque, para nós, um livro é um livro, é um livro.

E a sua leitura – atenção e conforto – é um ritual, o eco do eco do eco do que foi sagrado.”

Bem, que o livro ocupa um lugar bastante especial na minha existência não deveria ser novidade. Mas não sei até que ponto posso concordar com a elevação do livro ao sagrado. Sim, gosto do livro como objecto de luxo, gosto de edições especiais, em capa dura, de preferência com boas ilustrações. Mas não consigo deixar de pensar que o acesso ao conteúdo do livro tem de ser facilitado e democratizado, achando que as colecções originais de livros de bolso que se vendiam por valores muito baixos foram um marco muito importante na literacia de algumas populações.

E é nesse seguimento que não olho para o Kindle como um demónio, mas como um elemento que facilita esse acesso, tanto pelo preço do livro, como pelo espaço que cada obra passa a ocupar nas nossas casas. Sim, até porque já cheguei há muito ao ponto em que o espaço é um bem precioso e preciso de o gerir cuidadosamente. É, pois, sem surpresa que o autor fala também do preço do livro, numa passagem mais à frente:

“Eliminando as despesas de envio, regateando com os seus grandes clientes para obter o menor preço possível para o cliente individual, a Amazon parece barata. Muito barata. Porque a invisibilidade é uma camuflagem: é tudo tão rápido, tão transparente, tão fluído, que parece que não há intermediário. Mas há. Pagamo-lo em dinheiro e em dados”

Concordando com a afirmação, há pelo menos duas ressalvas que me surgem. A primeira diz, novamente, ao custo elevado do livro e a falta de acesso a que a ele tem parte da população. Sim, há quem pague em dados. Mas será que não é um ponto de vista elitista, ou até, privilegiado, esta preocupação com a venda dos dados, perante o valor do acesso a determinados livros? Bem, novamente, é apenas uma introspecção. Uma reacção à afirmação absoluta e ao desenvolvimento do raciocínio, onde tenho a apontar, como segunda ressalva a incoerência entre a afirmação de se tratar de um processo “tão transparente” mas que afinal esconde algo. Passando à frente.

A argumentação está compreendida, e continua noutra secção, intitulada “Porque não quero que me espiem enquanto leio”. Aqui, o autor prossegue falando dos inconvenientes do Kindle e de como a Amazon recolherá dados deste sobre a leitura dos livros (onde se para, como se para, o que se sublinha, que notas se tiram…). Num mundo onde somos seguidos pelos equipamentos que nos rodeiam, desde a televisão à torradeira, será a ideia de um dispositivo de leitura que nos espia mais ou menos arrepiante? É no meio desta argumentação que surge uma alfinetada ao grupo Planeta, referindo que o mesmo financia ou investe em institutos de ensino como forma de manter leitores para os prémios Planeta dos próximos anos. Bem, penso eu, pode ser que pelo menos 1% dos que despertam para a leitura por conta deste financiamento acabem a ler livros de jeito.

O livro prossegue, enaltecendo a lentidão de uma encomenda normal, por oposição à sensação de comprar numa livraria, entre café e vinho. E se é para o livro ser vendido como uma mera mercadoria, porque não vendê-lo ao lado de produtos temáticos, como forma de vender um ambiente? Bem, confesso que a ideia não me agrada, mas o autor parece ter, propositamente (ou não) ter formulado uma ideia de produto interessante. Já a sensação de lentidão e de lazer de comprar numa livraria tradicional parece-me cada vez mais rara. São cada vez menos as livrarias que dispõem de um lugar de paragem, muito menos café. Os livros, agora, são vistos de pé, estimulando a aquisição rápida e por impulso.

O autor fecha este capítulo com um pequeno texto em que se redime. Não é inocente. Também ele consumidor da imediatização que nos rodeia, desde os serviços de streaming à demonizada aquisição de livros em semelhantes à Amazon, fala de como alterna este estilo com a aquisição nas livrarias tradicionais, enquanto bebe um café e consulta livros pouco publicitados. Em Barcelona. E aqui, se calhar, está uma grande diferença. Barcelona continua, comparativamente com Lisboa, a ter uma boa densidade de livrarias. Sejam elas tradicionais ou não.

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