Este ano começo por afirmar que existirão algumas falhas quase imperdoáveis na minha lista de melhores leituras. Isto porque existem alguns lançamentos excelentes que apenas tive disponibilidade de ler quase em Janeiro de 2025. Mesmo assim, ao todo, são 268 leituras de BD efectuadas durante 2024, um número superior ao do ano passado (podem consultar a lista total de leituras na minha página Goodreads).

Obras Portuguesas

Luís Louro volta ao Corvo em O Despertar dos Esquecidos com um volume mais senil, incontinente e transloucado. O mirabolante herói português regressa com uma nova e mais madura missão. Tão madura que entra na terceira idade. Enquanto procura um velhote desaparecido, explora um lar de idosos em busca de informações. Entre fraldas, memórias perdidas e jogos de cartas, o Corvo parece ter encontrado um grupo de amigos e, sem se aperceber, dá-lhes novo ânimo. A história explora caminhos diferentes dos restantes volumes, mantendo, claro, algumas referências conhecidas. É, como seria de esperar de Luís Louro, um volume divertido, como um visual cativante e de desenhos fluídos, carregados de acção.

É raro ver, no mercado português, lançamentos de autoria nacional com a dimensão de Sol. São quase 150 páginas de ficção científica onde se explora distopia económica noutros planetas colonizados pela espécie humana. Existe uma evidente separação da população de acordo com a capacidade financeira, que resulta numa autoridade opressiva e cega, mais focada na manutenção de um status quo do que no bem estar da população.

Menções honrosas

Estive em dúvidas de colocar Espiga entre os melhores, mas apesar de ter gostado bastante da parte narrativa, e de achar que em termos de construção gráfica conta bem a história que pretende, não se liga tanto ao meu gosto visual. É uma narrativa envolvente onde explora, em duas histórias interligadas duas personagens que estão presas nas circunstâncias em que se encontram. É uma leitura que reflecte a imperfeição das personagens que apresenta, sem romantismos desnecessários, mas que se torna numa visão ligeiramente claustrofóbica (o que transmite a situação das personagens).

O que gostei essencialmente em E depois do Abril foi a premissa. Como seria Portugal se o 25 de Abril não tivesse decorrido com sucesso? Neste volume, o autor explora essa possibilidade, desenhando-se uma realidade alternativa onde a ditadura persiste. Do ponto de vista narrativo é uma história que funciona bem, dado o espaço disponível, ainda que o final quebre um pouco a construção narrativa.

O Arauto, de Rúben Mocho é um livro que tem um grande defeito – é pequeno e sabe a pouco. Entre o pouco que é dito e o desenho existe uma execução limpa de barulhos visuais e narrativos, que nos revela uma personagem curiosa e circunstâncias algo macabras. O autor mostra mais do que diz, e existe ainda muito por descobrir para se compreender o que se está a passar. Ainda assim, promete.

Ficção Científica

Começo por aquele que é, para mim, um dos melhores lançamentos do ano independentemente da categoria – A Estrada. Manu Larcenet adapta de forma genial o romance de Cormac McCarthy, recriando uma história poderosa e deprimente. Tal como o livro vai dando murros no estômago do leitor, esta adaptação consegue o mesmo efeito, mesmo para aqueles que já conhecem as circunstâncias. O ambiente é nublado e opressivo, destacando-se os desenhos a preto e branco, bem como os longos silêncios que contrastam com as cenas mais violentas.

Fantasia

Há algum tempo que não encontrava uma série fantástica que me fascinasse imediatamente. Foi o caso deste primeiro volume de The Sacrificers, com autoria de Rick Remender. A premissa recorda o clássico de Ursula Le Guin, The ones who walk away from Omelas, ao mesmo tempo que apresenta um Panteão peculiar de Deuses prepotentes, e personagens com aspecto de vários animais. Em termos visuais é muito bom, restando saber se Rick Remender vai estar à altura de desenvolver todos os elementos narrativos que criou.

La Cuisine des Ogres é visualmente fascinante. O problema é que, apesar de espectaculares, são páginas de horror de aspecto fofinho. Imaginem uma cozinha onde se preparam as melhores iguarias. O problema é que a carne cozinhada é humana, havendo pedaços reconhecíveis da anatomia. É aqui que vai parar um rapaz que vive nas ruas, com o objectivo de salvar os amigos que foram levados para as cozinhas. Mas o rapaz tem capacidades peculiares na cozinha, que o hão-de levar a percorrer um curioso percurso.

Furiosa, lançado pela Norma Editorial, apresenta uma original deturpação da história do Rei Artur, mostrando-nos como o poder o tornou um velho e amargo bêbado. Uma das filhas fugiu. A mais nova, Ysabel, está prometida a um, também velho, amigo do Rei, mas resolve pegar na espada mágica do pai, fugir e procurar a irmã. Ysabel vai ter vários contratempos na sua demanda, e o caminho leva-a a obter novas perspectivas na história original.

The Encyclopedia of Early Earth foi uma das boas surpresas do final do ano! Começa como uma história aparentemente simples, que se vai cruzando com outras narrativas e várias referências a outras histórias conhecidas, criando-se uma história maior e mais complexa, apesar da simplicidade da partes. As histórias possuem uma mitologia peculiar, suportando um mundo com elementos reconhecíveis.

Bastante diferente, El dios Salvaje é uma leitura mais visceral e muito menos fofinha. Possui desenhos soberbos que acompanham uma narrativa carregada de brutalidade e crueldade, ao mesmo tempo que apresenta um Império complexo que serve de cenário e que é, no entanto, apenas um detalhe narrativo. Uma leitura recomendável, ainda que vá chocar alguns leitores.

Já o Inferno de Dante é, visualmente, um dos melhores lançamentos do ano no mercado português. Para além de ser uma boa adaptação da obra de Aligheri, consegue tornar o clássico numa obra mais leve, que se foca no essencial e que consegue transmitir o conteúdo de uma forma mais actual, sem desvirtuar o original.

Não Ficção

O Mundo Sem Fim conseguiu excepcional visibilidade do mercado francês, podendo ser encontrado em qualquer esquina, mesmo em lojas pouco dadas à banda desenhada. Trata-se de uma obra que sensibiliza e informa para as questões climáticas, não se ficando pelos danos no planeta, mas apresentando sugestões para resolver os problemas existentes.

Patos foi outro livro de não ficção que se destacou no mercado internacional, sendo um dos livros mais esperados – cuja aquisição aguardou pelo lançamento em português, pela Relógio d’Água. Este volume é um relato muito pessoal da autora que procurou emprego, após o curso, nos campos petrolíferos. Para além da localização inóspita, o trabalho destaca-se pela elevada percentagem de homens, o que faz com que qualquer presença feminina seja alvo de elevada atenção.

Adaptação

Adaptação de um romance de Guillaume Musso, A Vida Secreta dos Escritores foi grande e boa surpresa. Li-o sem saber o que esperar encontrando um page turner, um livro carregado de mistérios que se torna viciante, mas onde encontramos também, várias referências literárias, seja sob a forma de citações de autores que reconheço, seja por alguns episódios que recordam algum clássico.

Por Corominas (conhecido desenhador espanhol) chega-nos a adaptação de Dorian Gray, um livro que para além de competente, se destaca pelas belíssimas ilustrações. Já A Árvore Despida é a adaptação do livro de Keum Suk Gendry-Kim focando-se nos anos 50, durante a Guerra da Coreia. É neste contexto que uma jovem vive com a mãe, na mesma casa onde os irmãos faleceram. A história apresenta detalhes da guerra, bem como a interacção com os soldados americanos que se encontravam no país.

Ficção

Uma das melhores leituras do ano foi sem dúvida este My Favorite thing is monsters! Não é uma leitura fluída nem fácil, construída de recortes e desenhos, e contada pela perspectiva de uma jovem rapariga que, nitidamente está mal adaptada ao que a rodeia. Crescendo sem pai e viciada em revistas de horror, resolve-se a investigar o assassinato da vizinha. Tal irá fazê-la confrontar-se com a sua dura realidade, entre a prostituição e homens poderosos. É uma leitura excepcional e dura, até traumatizante, apesar (ou sobretudo) pela perspectiva.

Antes de O Deus das Moscas, a Asa lançou em Portugal, da mesma autora e em capa mole, Dias de Areia. O livro destaca-se quer na componente narrativa, quer na componente visual, levando-nos aos nos 30, os anos da Grande Depressão no estados Unidos. Para além da crise económica resultante da especulação financeira, as condições meteorológicas resultaram em pobreza e fome, sobretudo na região do Dust Bowl. A personagem principal, que pretende estabelecer-se como fotógrafo, é contratado para registar as condições aí vividas.

Presas fáceis – Abutres é um dos mais recentes livros de Miguelanxo Prado, onde o autor explora uma história carregada de ironias e críticas sociais. A história mostra como os influentes usam os seus conhecimentos e os seus cargos para dar azo às suas taras, sem assumir as consequências dos seus actos. É, também, uma história pesada, com aura de investigação policial que se desenvolve com ritmo e que possui reviravoltas curiosas.

O título Léa não se lembra como funciona o aspirador pode parecer ligeiramente cómico no início, mas na verdade trata-se de uma narrativa muito mais séria do que parece. Não se trata de um romance leve e engraçado, mas antes um título que esconde uma dura realidade feminina. A perspectiva é a de um escritor que, de alguma forma, se sente obcecado pela jovem mulher, sem se perceber do que está a presenciar.

Existem vários livros e bandas desenhadas que se focam na realidade iraniana. Mas este Os Pássaros de Papel despertou-me especial interesse. A história segue, em primeiro plano os homens que, para sustentarem a sua casa e pensarem num futuro melhor para as suas famílias, efectuam o contrabando a pé, em condições perigosas, pelo meio da montanha. Em paralelo, percebemos que a jovem filha de um destes homens está apaixonada por um homem que não é o prometido e sonha em deixar o país, em construir um futuro diferente e em ter uma profissão.

Num tom bastante diferente, mais leve e divertido, Sou o seu silêncio contrasta em tema e execução com os referidos anteriormente. O autor, Jordi Lafebre pega numa premissa comum (uma investigação criminal em torno da morte de um ricaço) pela perspectiva de alguém que não a devia efectuar (a psicóloga de uma das possíveis herdeiras) para construir uma história mirabolante e divertida que, em pano de fundo explora a doença mental e as interacções familiares.

Mangá

O primeiro desta secção, Bairro Distante, é um dos livros favoritos dos últimos tempos. Apesar de gostar bastante de outros livros do autor, a premissa rodeada de ficção especulativa, cativou-me. A personagem principal tem a oportunidade de reviver os tempos da adolescência em corpo de jovem, mas com a mente de adulto. A nova perspectiva permite-lhe perceber que a vida de estudante até era libertadora (menos responsabilidades) ainda que agonize com a antecipação de um episódio marcante para a família.

Já falei diversas vezes deste The Promised Neverland que decorre num tempo incerto onde um grupo de crianças vivendo num orfanato se apercebe que afinal vive numa quinta de carne para monstros. As crianças crescem felizes e despreocupadas, estimuladas intelectual e fisicamente, mas apenas porque tal confere um paladar especial aos seus cérebros. O conhecimento da sua situação leva-as a tecer complexos planos de fuga, pensando existir um mundo lá fora onde a sobrevivência será mais fácil. O que irão encontrar é mais desolador do que o esperado.

Menções honrosas

Diria que a série Spy Family é ligeiramente idiota e cómica, mas vai funcionando bem como entretenimento – trata-se de uma família construída à pressão pelo espião que precisa de uma forma para se aproximar de um colégio conceituado. Para tal, adopta uma criança que tem o poder de ler mentes, e estabelece um relacionamento platónico com uma jovem que também tem um segredo, sendo uma assassina profissional.

Num tom mais negro, Death Note começa com um caderno da morte que é perdido pelo seu Shinigami, um Deus da Morte. Encontrado por um humano pode ser usado para matar qualquer pessoa, desde que o humano que o possua escreva o nome da pessoa pensando na sua cara. Neste caso, o caderno é encontrado por um jovem que cede à tentação e resolve usá-lo para matar criminosos. Ainda que sejam criminosos, o seu assassinato é um crime e ainda que as mortes pareçam naturais, não passa muito tempo até que a polícia perceba que não se tratam de coincidências. Inicia-se um jogo do gato e do rato ritmado, que vai evoluindo de forma inteligente. Entretanto já li até ao quarto volume e ainda que a premissa se tenha reinventado, existem momentos menos interessantes.

Frieren parece ser uma série de qualidade média, mas interessou-me pelo conceito. Várias narrativas fantásticas apresentam demandas em que um grupo de aventureiros enfrenta um vilão poderoso, por vezes alguém que usa a magia negra. É o caso desta narrativa, mas o foco não está na luta contra o vilão, antes o que acontece ao grupo de aventureiros. Não existindo demanda, os guerreiros separam-se. Uma delas, uma elfa possui uma perspectiva temporal diferente, o que a faz ser mais fria e distante em relação aos seus companheiros, sem perceber que, para estes, o tempo que vivem juntos é muito mais importante.

Séries em curso

A Asa lançou em 2024 a série As 5 Terras, com dois volumes. Entretanto, em Janeiro de 2025, foram lançados mais dois. Até agora apresenta-se um mundo fantástico com características que reconhecemos noutras narrativas. Reinos distantes de contornos semi medievais onde um Império possui uma capital mais refinada e politicamente complexa. O trono é, claro, cobiçado por vários facções e com a morte do Rei, poderá estar ao alcance de vários pretendentes. A narrativa vai fornecendo perspectivas dos vários estratos sociais, ao mesmo tempo que acompanha as várias tramas políticas. Ainda que o tema não seja exactamente original, entrega uma série com uma excelente componente visual, ao mesmo tempo que usa os clichés do género para ser familiar e fluída.

Alix Senator começou como uma série engraçada no Império romano, uma sequência à série clássica Alix, apresentando a personagem principal como um adulto e focando-se mais nas aventuras dos seus filhos (um deles adoptivo). Progressivamente, a série tem tomado contornos cada vez mais negros, com a descoberta de vários planos contra o Imperador, e com Alix a ter de provar a sua lealdade, ao mesmo tempo que perde entes queridos.