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Na guerra não existem heróis. Mas existem homens. A maioria demasiado jovens para conhecer o mundo, homens impossibilitados de pensar por si mesmos, peões descartáveis levados a uma luta sem sentido contra outros homens que, tal como eles, o que querem é voltar às famílias e ao aconchego do lar.

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Nas trincheiras, o cenário parece saído de um filme de terror. Não existem as mínimas condições de higiene e não bastava a proliferação de piolhos, ratazanas e doenças várias, como os cadáveres em putrefação se misturam com a lama criando um cheiro característico nauseabundo.

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Sair da trincheira é meio caminho andado para se tropeçar num cadáver e enterrar, sem querer, as mãos em entranhas em decomposição, na melhor das hipóteses. A pior é levar um tiro e agonizar durante horas até à morte, sem que ninguém se atreva a sair do esconderijo para lhe poupar o sofrimento ou o trazer para uma enfermaria.

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Para além das doenças, dos parasitas e do inimigo, os soldados têm ainda de contar com os seus. É que tão depressa morrem sob um tiro ou de uma infecção, como dos canhões mal calibrados do seu lado da barricada, dos tiros dos polícias que deveriam ajudar na retirada ou dos próprios colegas sob ordens de comandantes que visam assim ditar o exemplo para quem não aguenta a posição pretendida.

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Entre estes horrores há, ainda, quem consiga sonhar com uma vida após a guerra, com um retornar à noiva para constituírem família, ou um simples retomar da vida quotidiana, banal e sem grandes perigos.

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De relato em relato, Tardi vai mostrando a dura realidade da guerra, uma realidade que ninguém quer recordar e que apenas aqueles que não a viveram directamente nas trincheiras podem romantizar e transformar em missão consciente, sã e heroica.

Senegalês, os teus antepassados gauleses estão orgulhosos de ti. Passas frio e morres, pela França. Abundam os rumores absurdos sobre ti, por isso mantém-te longe da mulher do homem branco. O homenzinho branco que explora as vossas terras e vos espanca. Dirão que vieste entusiasta e feliz para que te estoirassem as tripas, uma “criança grande” grata por poder ajudar aquele que, para teu próprio bem te impôs a sua religião, a sua bebida e a sua tuberculose.

Mas Foi Assim a Guerra das Trincheiras não é só o apresentar de sucessivos relatos de guerra. Entre os episódios em que se apresentam os soldados apenas como homens assustados, destaca-se a perspectiva de uma situação ridícula, que nos parece, a nós leitores no conforto das nossas casas, demasiado estranha, afastada,  quase impossível pela combinação dos detalhes fortes que são encarados com a aparente normalidade por quem teve de se adaptar para sobreviver.

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A par com os relatos encontramos algumas considerações críticas, verdadeiras e doridas que destacam o ridículo da situação que envolveu uma série de países e nacionalidades que pouco tinham a ver com o conflito. No seguimento da guerra massacraram-se pelotões inteiros, populações apanhadas no meio dos dois exércitos, sem dó para mulheres ou crianças, mortes que marcaram de forma mais pesada os soldados em comparação com o inimigo, demonizado e alienado da sua existência humana.

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Este volume que nos apresenta um retrato demasiado pungente da guerra foi publicado na colecção da Levoir, em parceria com o jornal Público, na colecção de Novelas Gráficas.