
Este livro de banda desenhada resulta da adaptação do romance de ficção científica de Stefan Wull de 1958, publicado em Portugal na colecção Argonauta. Apesar de ser uma história sexagenária, a banda desenhada retrata uma história de ficção actual de contornos sombrios e fascinante que não deve nada a obras mais recentes de ficção científica.
Desenhada por um desenhador português, Alberto Varanda, A Morte Viva consegue a proeza de começar como uma distopia futurista e terminar como um conto de terror alienígena, carregado de tecnologia e de sombras de horror, ecoando obras mais clássicas como Frankenstein.

Em A Morte Viva a Terra há muito que foi abandonada pela espécie humana. Em contrapartida, existe uma civilização humana em Marte que parece rejeitar as bases científicas da tecnologia de que usufrui. Constata-se que existe uma censura quase religiosa sobre factos científicos e possíveis descobertas. Trata-se de um aspecto interessante desta sociedade que acaba por não ser muito explorado no romance, ainda que seja a base para a sucessão de acontecimentos.
Curiosamente, a história começa na Terra com um episódio trágico. Uma criança, filha de arqueólogos que exploram os edifícios antigos, morre após uma queda. É neste momento que um grupo de enormes cefalópodes se aproxima do corpo. Ainda que não seja perceptível às personagens humanas, o leitor percebe que estes seres são, não só capazes de comunicar entre si, mas, também, capazes de prolongar a existência da criança. Se escolhessem fazê-lo.

Após a desgraça, a família desvanece-se, sobrando apenas a mãe que se refugia na dor da perda. Habitando na Terra, num castelo de traços semelhantes ao Schloss Neuschwantein, e dotada de grandes riquezas, esta mãe poderá dar largas à sua loucura e encomendar a clonagem da filha perdida.
Para efectuar este feito científico procuram Joachim Bostrom, um cientista reconhecido pela capacidade de reconstruir alguns métodos científicos antigos e que acaba de ser julgado por possuir livros ilícitos provenientes da Antiga Terra. Sem grande escolha quanto ao seu destino, é convencido a clonar a rapariga.

Mas a iniciativa está envolta em factos sombrios. As interacções com a mãe são tensas e envoltas em nebulosidade. O corpo da filha, falecida, mantém-se preservado no mesmo local onde a clonagem decorre. O andróide da família (que possui alguns séculos) é uma figura prestável, mas silenciosa.
O tom da narrativa é acompanhado pelo aspecto gráfico. O interior do castelo imponente mostra-se sempre com pouca luz. Os quartos são imponentes, de pé alto excessivo, nos quais as figuras humanas mal de vislumbram – e apesar da tecnologia evoluída, o ambiente é iluminado por velas.

Um dos pontos mais interessantes desta narrativa é o contraste com a possibilidade de tecnologia avançada. Se, em Marte, a humanidade construiu uma nova civilização mas castra a exploração científica, na Terra o cenário é inóspito, centrado em edifícios barrocos e palco de complicados procedimentos científicos.
O ambiente soturno, a experiência que ousa ultrapassar os limites humanos da mortalidade, e o cenário evocam o estilo gótico e, mais especificamente Frankenstein. A tarefa do cientista é induzida pela loucura da mãe e juntos potenciam a criação de um novo tipo de monstro.

Outro aspecto interessante de A Morte Viva são os seres sencientes que habitam a Terra. Construídos pelos humanos mas há muito esquecidos pelos seus criadores, desenvolveram a sua própria civilização. Ainda que estes seres apareçam apenas no início e no final, são uma forte influência de toda a narrativa.
Independentemente de se gostar de ficção científica, este volume destaca-se pela qualidade gráfica. A primeira vez que tive oportunidade de ver estas imagens foi numa exposição durante o Festival de Banda Desenhada de Beja. Ainda que o livro seja a versão colorida, as pranchas do festival correspondiam à versão a preto e branco, dando um aspecto bastante mais sublime e gótico do que esta versão colorida. Mesmo assim, trata-se de uma edição cuidada da Ala dos Livros que aconselho a qualquer amante de banda desenhada.